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Fazia muito frio naquela madrugada. Paulo não conseguia reconciliar o sono interrompido pelo arranhar das unhas dos camundongos sobre o forro plástico do quarto. Já tinha levantado com dificuldade do colchão, arrumado com esmero diretamente sobre o piso cerâmico, para ir ao banheiro urinar. Voltou para o leito, mas o sono não vinha. Doía tudo na alma. Preocupava-se com as contas a pagar, como dos dois cartões de crédito dos quais vinha se valendo para empurrar os problemas para mais adiante. Já tinham se passado cinco meses desde que chegara àquela pequena cidade para tentar trabalhar como professor de Inglês, língua que dominava e que praticara por muitos anos de viagens internacionais, num tempo em que vivia bem, sem grandes preocupações, no Rio de Janeiro.
Na cabeça, um grande sentimento de culpa por estar naquela situação tão delicada. Sabia que fizera as escolhas erradas e tinha sempre agido como a cigarra, da fábula de La Fontaine, ao supor que sua fonte de renda como guia turístico internacional nunca se esgotaria. Mas se esgotara. As operadoras turísticas preferiram terceirizar os receptivos locais e usar estagiários para acompanhar os grupos, reduzindo os custos das viagens e o preço final aos viajantes. Sem profissão definida, sem curso superior e com a idade avançando rápido para perto dos sessenta, o desemprego foi roendo tudo o que lhe havia restado das parcas economias.
Divorciado havia muitos anos, tendo apenas uma filha que era criada pela mãe, no Rio, conhecera uma catarinense a bordo de um vôo, quando voltava de uma viagem de trabalho a Nova York. Estava bem, tinha decidido morar em Porto Alegre para ficar mais perto dos pais, na reta final de suas vidas, uma vez que a profissão de guia internacional lhe permitia morar onde quisesse. Mas o horizonte não era de calmarias, havia tempestades se aproximando de sua vida, com consequências pesadas. Apaixonou-se perdidamente. A linda loura de olhos azuis o cativou. Como era louco pelas praias nordestinas, tinha se sentido atraído por uma praia pouco explorada no litoral potiguar. Casaram-se e foram de mudança morar naquele paraíso.
Compraram um grande terreno cheio de árvores frutíferas e construíram uma casa espaçosa para morar no pequeno povoado próximo à praia. Compraram uma concessão e construíram também um quiosque bar e restaurante de praia, para trabalharem juntos quando não estivesse em viagens. Paulo se sentia no nirvana. Casado com a bela mulher, morando num lugar encantado, vivendo na praia o tempo inteiro e cumprindo sua escala de guia internacional. Nada parecia faltar no que lhe parecia uma sólida estrutura. Mas as tempestades só estavam se armando. Em 2001, enquanto estava no Canadá, uma forte ressaca levou todo o quiosque, com tudo o que havia nele. Paulo não percebeu nisso o sinal do desastre maior, acreditou tratar-se de uma instabilidade passageira e investiu pesado na construção de um novo, maior e mais bem equipado quiosque.
Quando a construção estava pronta para a reinauguração, veio a carga principal da borrasca, a operadora turística para quem trabalhara por tantos anos fechou as portas da noite para o dia numa escandalosa falência noticiada no Jornal Nacional. Sua fonte de recursos se esgotara. O quiosque não faturava o suficiente sequer para pagar seus custos. Aos poucos, foram comendo tudo o que tinham guardado. Logo, Paulo descobriu que sua musa inspiradora decidira vingar-se pelo fracasso financeiro de uma forma bastante peculiar, traindo-o com alguns homens que tivessem em comum o fato de serem conhecidos do marido, humilhando-o até às raízes de sua alma.
Novo divórcio, mais uma vez Paulo deixava para trás tudo o que construíra. Sobreviveu com biscates por alguns anos. Deu aulas de Inglês, tentou um site de publicidade na rede, conseguiu trabalho numa grande companhia aérea, por indicação de uma boa amiga, mas foi despedido antes de completar o período de experiência. A auto-estima cada vez mais baixa, a idade avançando implacável. Contou com a ajuda de amigos fiéis, que o abrigaram, mas tinha que reagir, encontrar uma saída. Pensou na filha, que morava em Curitiba com o marido e suas duas pequenas filhas. Ela o recebeu por uns meses, mas fechou questão em que ele achasse uma saída urgente. A saída não apareceu e a filha o forçou a sair e virar-se sozinho. Foi quando teve a ideia de ir morar naquela pequena cidade, não muito distante de lá, para poder rever a filha e as netas quando pudesse, onde poderia haver mercado para trabalhar como professor de Inglês.
Instalara-se à princípio num hotel e dava as aulas, para os poucos alunos que logrou matricular, numa escola próxima. Mas os donos da escola queriam uma participação societária em seu curso e, com sua recusa, cancelaram o uso da sala de aulas. Paulo conseguiu alugar a casa simples, onde instalou-se com o nada que possuía e seguiu dando as aulas e tentando obter novos alunos. Parentes e amigos distantes, além de uma família local que se tornou amiga, ajudaram como puderam. Surgiram colchão, roupa de cama e alguns móveis emprestados. Uma de suas irmãs veio com o marido, de São Paulo, trazendo um razoável enxoval para guarnecer a casa. Mas novos alunos não apareceram.
Naquela madrugada de inverno, Paulo sabia que por um mês, talvez dois, conseguiria manter-se aos trancos e barrancos com a ajuda dos cartões de crédito, mas o caos estava próximo e não conseguia ver nenhuma luz no fim do túnel. Sem namorada, sem ter sequer com quem conversar sobre os problemas, sentindo dores da artrite nos dois cotovelos, parecia estar em queda livre num precipício sem fundo. Era assim que se sentia, enquanto os camundongos se refestelavam sobre o forro do quarto e o sono não voltava.
Quando a claridade do dia começou a penetrar pela janela basculante do quarto e os roedores já haviam saído, o silêncio envolvia o homem que mudava de posição a cada cinco minutos, quando ele teve uma ideia que prendeu sua atenção. Pensou:
“- Se eu cometesse um crime, um crime pesado... Não, nada que colocasse a integridade física de alguém em risco. Um golpe, um grande golpe, um golpe milionário, que fosse descoberto, eu seria preso. Na prisão teria com quem conversar, teria o que comer e ninguém me cobraria aluguel! Boa ideia! Um crime. Preciso bolar um crime que seja grande, mas que eu seja descoberto logo e preso.”
Paulo levantou-se animado, correu para um banho quente, vestiu-se e tomou uma caneca de leite com chocolate, comeu alguns biscoitos. Em sua cabeça, somente um pensamento, tinha que planejar um grande crime. Mas como? Que golpe poderia armar? Assalto? Nem pensar, não seria capaz de tomar o que não lhe pertencesse prejudicando a outra pessoa, e num assalto poderia haver reação, violência. Tinha que ser alguma coisa ligada a um grande desfalque. Mas como dar um desfalque se nem sequer um emprego tinha? Estava decidido a encontrar o plano certo, e teria que ser dinheiro de uma empresa grande, algo que o seguro cobrisse, que não causasse mal a ninguém diretamente.
Sentou-se à mesa com um caderno e caneta, rabiscava sobre as folhas, desenhava pequenos objetos, mas o plano mirabolante não surgia. Decidiu sair às ruas, andar a esmo, buscar alguma coisa onde não imaginava. Foi quando ajudava uma senhora a atravessar a rua que viu a placa:
“EMPRÉSTIMOS SEM BUROCRACIA – SEU IMÓVEL COMO GARANTIA”
Era uma pequena loja, aparentemente nova, pois ele não se lembrava de tê-la visto antes. Havia diversos cartazes que anunciavam empréstimos para resolver todos os problemas dos tomadores. Aproximou-se, no interior duas pequenas mesas, onde um homem engravatado e uma garota bonita e bem vestida atendiam. Pessoas esperavam num sofá. Leu melhor os cartazes. Era alguma destas financeiras agiotas que emprestam dinheiro a aposentados. Os cartazes diziam que aceitavam imóveis como garantia de pagamento e aprovavam empréstimos de até um terço do valor do imóvel. A mente de Paulo se iluminou, era isso! Dar um golpe numa empresa de agiotagem era mais que perfeito. Afinal, aquelas empresas se aproveitavam da situação difícil das pessoas para faturar uma enormidade em juros, ele não se importaria em causar-lhes um prejuízo, que depois ainda seria ressarcido, quando fosse preso.
Correu para casa e alinhavou o plano em detalhes. Ia falsificar documentos de uma fazenda de produção de fumo, grande o suficiente para conseguir a aprovação de um empréstimo de um milhão de Reais. Depois, a financeira se daria conta da fraude e o denunciaria à polícia. Era o plano que precisava. Pensou em tudo o que precisaria fazer. Tinha estado no cartório local semanas antes, providenciando o reconhecimento de firma num atestado de residência para que pudesse transferir seu título de eleitor. A funcionária do cartório fora simpática e Paulo sugeriu-lhe que fizesse o curso de Inglês. Arrumou-se com cuidado, usou perfume e saiu para o cartório. A moça estava lá, não havia movimento.
Paulo puxou conversa, contou que uma família conhecida estava negociando uma fazenda de fumo e que ele gostaria de conhecer toda a documentação necessária, para poder apoiá-los e não permitir que fossem enganados no negócio. Disse que não entendia nada do assunto, mas que temia pelos amigos, pessoas de idade avançada, pedindo à moça que lhe mostrasse tudo o que pudesse sobre fazendas da região. Ela foi solícita, mostrou-lhe os documentos de uma fazenda que estava sendo registrada. Paulo pegou papel e caneta, fez-se de interessado e grato, anotou tudo o que viu. Perguntou sobre os carimbos e selos, quis vê-los a todos e esboçou desenhos que os reproduziam.
Durante o tempo em que trabalhara com a tentativa de implantar um site de publicidade no nordeste, aprendera muito com os rapazes que criavam as imagens nos computadores. Tinha arranjado uma cópia pirata do famoso programa de criação vetorial e por diversas vezes praticou nele, aprendendo muitos detalhes. Estava seguro que poderia reproduzir os carimbos e selos com bastante aproximação. Não podia falhar, pois sabia que se fosse pego pela tentativa de golpe, no máximo passaria algum tempo preso e acabaria solto por ser primário, causando ainda mais danos a sua vida já tão complicada.
Nas duas semanas que se seguiram trabalhou muito no computador, varando até algumas madrugadas. Praticamente só parava para dar as poucas aulas por semana a seus alunos. Fez testes de impressão sobre o verso de embalagens de plástico metalizado, como as de batatas fritas, para aproximar-se o mais possível das holografias dos selos do cartório. Quase desistiu algumas vezes, mas perseverou e conseguiu concluir a documentação. Tinha em mãos escritura, registros e licenças de uma grande fazenda de fumo nos limites do município.
Na internet, reuniu material suficiente para um anteprojeto de melhorias na produção e secagem do fumo. Baixou até fotos, que davam a ideia de serem da suposta fazenda. Iria à financeira com o anteprojeto, para justificar o pedido do empréstimo. Também através da internet, conseguiu até uma avaliação para a fazenda, que poderia ser negociada por cerca de quatro milhões de Reais, com as supostas benfeitorias.
Comprou uma boa garrafa de vinho e festejou sozinho na véspera do dia da apresentação do golpe, admirando o resultado do trabalho espalhado sobre a mesinha da sala de aulas. Estava tudo muito bom. Faltaria agora a cara de pau necessária para aplicá-lo. Temia falhar nesta hora, uma vez que nunca havia cometido um crime na vida, não costumava mentir e nunca enganara ninguém. Mas acabou convencendo-se de que lograria sucesso. Já nem sabia mais se o sucesso do golpe valeria para o objetivo de ser preso para sempre e acabar de vez com a solidão e a incapacidade em seguir se sustentando, ou se para elevar sua auto-estima por ter conseguido fazer novamente uma coisa bem feita, cuidadosamente planejada. Também nem se importava mais com isso, estava obcecado pela ideia e não recuaria mais. Pensou que talvez até sua filha se importasse e decidisse visitá-lo na prisão. Concluiu que se ela não se orgulhava dele como pai, tendo sido ao menos honesto por toda a vida, que sofresse a decepção de sabê-lo criminoso.
Acalmado pelo vinho foi deitar-se e surpreendentemente mergulhou num dos melhores sonos dos últimos meses. Dormiu direto, não escutou os camundongos, não se incomodou com o frio, nem se levantou para urinar no meio da noite.
Levantou cedo e bem animado, estava um pouco nervoso, mas confiante o bastante para acalmar-se. Tomou um longo banho, barbeou-se com cuidado e vestiu-se para parecer distinto o suficiente para o grande golpe. Depois de seu desjejum habitual checou se tinha à mão todos os documentos e saiu.
Na loja da financeira, a moça estava disponível quando ele entrou. Chamou-o a tomar o assento em frente a sua mesa e atendeu-o sorridente. Paulo preferiu disfarçar o nervosismo com uma pretensa excitação por estar tentando fechar um negócio tão vultoso para seu empreendimento. A moça não se deu conta de sua agitação e o escutou atenta. Falou que era preciso examinarem a documentação da fazenda e que no máximo em dois dias, após a assinatura dos contratos, o empréstimo poderia ser liberado sem problemas. Acrescentou que tudo parecia indicar que não haveria nenhum impedimento. De posse da documentação, levantou-se e foi falar com o homem na outra mesa, tão logo este ficou livre de seu cliente. Paulo não ouviu o que eles falaram, uma vez que ela estava de costas para ele e falava muito baixo, inclinada próxima ao homem, mas viu que o homem lhe dirigiu o olhar e sorriu amistosamente, após conferir os documentos.
De volta, ela pediu licença a Paulo para fotocopiar a documentação enquanto ele preenchia uma ficha de cadastro. Ele sentiu medo pela primeira vez, a partir das cópias o escritório poderia checar os registros no cartório e facilmente descobrir a fraude. Lembrou que a tentativa de fraude seria um delito menor e pensou nos problemas que lhe causaria. Quis levantar-se e fugir dali, mas suas pernas não obedeceram. Ao invés disso, preencheu a ficha e entregou-a assinada à moça tão logo retornou à mesa. A mente de Paulo parecia um turbilhão. A funcionária devolveu-lhe os papéis e anunciou que telefonaria tão logo fosse aprovado o empréstimo, para a assinatura dos contratos e formalidades.
Paulo quase tropeçou na saída da loja, saiu andando sem rumo e deu muitas voltas antes de voltar para casa. Pensava muito na probabilidade de arrumar uma mochila de roupas e fugir naquela tarde, não queria ser flagrado na tentativa de um golpe que agora lhe parecia tão bisonho e infantil. Era óbvio que a financeira iria checar tudo antes de liberar o empréstimo e ele seria detido pela tentativa do golpe. Entrou em casa e correu a arrumar a mochila, mas foi diminuindo o ritmo até parar totalmente. Sentiu-se ridículo, um ladrão de galinhas. Achou que bem merecia ser pego para acabar de vez com tudo. Sentou-se com a mochila no colo e acabou decidindo que esperaria o andamento das coisas, que quando a polícia batesse à sua porta resistiria à prisão e faria algo que levasse os policiais a crerem que iria pegar uma arma, acreditou que poderiam atirar nele e facilitar as coisas.
Naquela noite não dormiu, saiu, tomou várias cervejas, comprou uma garrafa de batida e fechou-se em casa para bebê-la até acabar. Pela manhã estava péssimo, não sabia o que fazer. Ora pegava a mochila e preparava-se para sair, correr para a rodoviária e comprar uma passagem para qualquer lugar bem distante, depois arrependia-se e ficava prostrado por muito tempo, até querer fugir de novo e desistir outra vez. Quando o celular tocou, custou a entender o que acontecia, mas alcançou-o a tempo de atender à ligação. A voz feminina do outro lado da linha parecia alegre. Era a moça da financeira. Depois de alguns instantes, Paulo conseguiu fixar-se no que ela dizia:
“- Senhor Paulo, o senhor está bem?”
“- Sim, eu estava um pouco distraído, mas pode falar!”
“- É sobre o seu pedido de empréstimo. A matriz confirmou que pelo valor de suas terras pode liberar um empréstimo de até um milhão e duzentos mil Reais, para serem pagos em sessenta meses com dois anos de carência. O senhor está de acordo?”
“- Um milhão e duzentos...”
“- Sim. Os contratos e formalidades estarão prontos amanhã, antes do meio dia. Tão logo o nosso escritório daqui confirme suas assinaturas a matriz libera o valor em sua conta corrente.”
“- Certo, eu passo aí então no final da manhã!”
“- Positivo. Nos vemos amanhã então, senhor Paulo. Traga toda a documentação original, por favor.”
Paulo caiu sentado num banquinho que estava próximo, com o telefone na mão. Não podia ser verdade. Na certa, era um plano para prendê-lo assim que chegasse à loja. Depois de um tempo, achou que merecia mesmo ser pego pela ingenuidade de tentar aplicar um golpe tão mal engendrado, tão infantil. Mas também havia a possibilidade de não haverem descoberto a fraude. Quem sabe? Ele tinha acreditado tanto que seria possível. Porque não? Claro, até então poderia ter corrido tudo bem porque o escritório tinha ficado apenas com cópias e podiam não ter checado com o cartório. Havia uma chance!
Mais tranquilo, Paulo tratou de alimentar-se e tentar dormir. O sono foi agitado e entrecortado. Os camundongos incomodaram, o frio incomodou. Quando dormia, os pesadelos o acordavam. Mas a noite passou e Paulo decidiu que iria à loja e prosseguiria conforme o anteriormente planejado.
Por volta da onze horas saiu de casa e foi para a lojinha da financeira. O homem engravatado o recebeu junto com a moça. Eram ambos só sorrisos e mesuras. Mostraram a Paulo uma pilha de papéis a serem assinados. Segundo eles, meras formalidades. Paulo conhecia o suficiente sobre textos jurídicos, crescera no escritório de advocacia do pai, numa leitura dinâmica sobre os papéis pode perceber que eles se pareciam mais com procurações, dando poderes de venda da fazenda aos outorgados, e recibos. Julgou tratarem-se das tais formalidades, mas desconfiou da honestidade dos papéis. Depois, riu para si pois lembrou-se que o desonesto ali era ele. O homem pediu que ele o acompanhasse ao cartório para as assinaturas. Paulo tremeu, mas logo recuperou-se quando o homem informou que não seria necessário apresentar no cartório a documentação da fazenda, uma vez que tudo o que precisavam era do reconhecimento das assinaturas dele.
Na volta ao escritório, o funcionário da financeira entregou um envelope a Paulo com a cópia do contrato de empréstimo e telefonou para um número, garantindo que já estavam todas as formalidades satisfeitas. Depois, informou a Paulo que o depósito já estaria sendo feito de imediato, por transferência bancária.
Paulo saiu da loja eufórico. O golpe estava dado, agora já podia ser pego, imaginou que não levaria muito tempo. Entrou num restaurante de comida em quilo e pediu uma cerveja enquanto servia-se para uma farta refeição. Mais tarde, passou no banco e decidiu checar sua conta. Quase perdeu a respiração quando constatou que aquele um milhão e duzentos mil Reais estavam lá, liberados. Pensou em sacar uma parte, sair da cidade, tomar um avião e ir festejar no Rio, mas lembrou-se que seu plano incluía a devolução integral do valor roubado. Chegou a pensar que isso talvez aliviasse sua pena, o que definitivamente não queria, mas sentiu-se incapaz de tocar naquele dinheiro que, a bem da verdade, não lhe pertencia.
Sucesso! Era tudo em que conseguia pensar. Seu plano fora um sucesso. Cometera o imaginado crime sem ferir ninguém. Já se imaginava sendo preso.
Mas os dias se passaram. Um, dois, quatro. Nada acontecia. Decidiu passar em frente à loja da financeira, ver se o reconheciam, o que aconteceria. A loja estava fechada.
Naquela noite, tomava uma cerveja num restaurante onde às vezes jantava, quando o Jornal Nacional anunciou o estouro de um golpe milionário que vinha sendo aplicado havia alguns meses por uma quadrilha em diversas cidades de interior de vários estados. Os criminosos, segundo a notícia, faziam-se passar por uma financeira que emprestava dinheiro contra garantias imobiliárias. Liberavam um terço do valor dos imóveis em empréstimos aos tomadores, mas os faziam assinar procurações em que uma empresa de fachada se apropriava um tempo depois dos imóveis. Quando algumas vítimas descobriram que haviam perdido seus imóveis, denunciaram o crime e a polícia rastreou a quadrilha, cujos chefes lograram fugir para o exterior. Paulo reconheceu de imediato o nome da financeira de fachada.
Cinco anos mais tarde, enquanto recebia um copo cheio de piña colada para degustar sob o guarda-sol de uma barraca de praia em Salvador, Paulo lembrou-se do ocorrido e com um largo sorriso virou-se para a bela mulher a seu lado. Disse:
“- Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão!”
Olá
ResponderExcluirGostei muito do que li;fico admirada com a facilidade que tens em criar histórias.Achei sensacional o final da história.
Olá!
ResponderExcluirParabéns pelo "O golpe" ter sido selecionado para o livro da Academia de Artes de Cabo Frio agora em dezembro.
Transferir para o papel nossos pensamentos é sempre muito bom.
Lice