terça-feira, 29 de junho de 2010

O GOLPE


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Fazia muito frio naquela madrugada. Paulo não conseguia reconciliar o sono interrompido pelo arranhar das unhas dos camundongos sobre o forro plástico do quarto. Já tinha levantado com dificuldade do colchão, arrumado com esmero diretamente sobre o piso cerâmico, para ir ao banheiro urinar. Voltou para o leito, mas o sono não vinha. Doía tudo na alma. Preocupava-se com as contas a pagar, como dos dois cartões de crédito dos quais vinha se valendo para empurrar os problemas para mais adiante. Já tinham se passado cinco meses desde que chegara àquela pequena cidade para tentar trabalhar como professor de Inglês, língua que dominava e que praticara por muitos anos de viagens internacionais, num tempo em que vivia bem, sem grandes preocupações, no Rio de Janeiro.
Na cabeça, um grande sentimento de culpa por estar naquela situação tão delicada. Sabia que fizera as escolhas erradas e tinha sempre agido como a cigarra, da fábula de La Fontaine, ao supor que sua fonte de renda como guia turístico internacional nunca se esgotaria. Mas se esgotara. As operadoras turísticas preferiram terceirizar os receptivos locais e usar estagiários para acompanhar os grupos, reduzindo os custos das viagens e o preço final aos viajantes. Sem profissão definida, sem curso superior e com a idade avançando rápido para perto dos sessenta, o desemprego foi roendo tudo o que lhe havia restado das parcas economias.
Divorciado havia muitos anos, tendo apenas uma filha que era criada pela mãe, no Rio, conhecera uma catarinense a bordo de um vôo, quando voltava de uma viagem de trabalho a Nova York. Estava bem, tinha decidido morar em Porto Alegre para ficar mais perto dos pais, na reta final de suas vidas, uma vez que a profissão de guia internacional lhe permitia morar onde quisesse. Mas o horizonte não era de calmarias, havia tempestades se aproximando de sua vida, com consequências pesadas. Apaixonou-se perdidamente. A linda loura de olhos azuis o cativou. Como era louco pelas praias nordestinas, tinha se sentido atraído por uma praia pouco explorada no litoral potiguar. Casaram-se e foram de mudança morar naquele paraíso.
Compraram um grande terreno cheio de árvores frutíferas e construíram uma casa espaçosa para morar no pequeno povoado próximo à praia. Compraram uma concessão e construíram também um quiosque bar e restaurante de praia, para trabalharem juntos quando não estivesse em viagens. Paulo se sentia no nirvana. Casado com a bela mulher, morando num lugar encantado, vivendo na praia o tempo inteiro e cumprindo sua escala de guia internacional. Nada parecia faltar no que lhe parecia uma sólida estrutura. Mas as tempestades só estavam se armando. Em 2001, enquanto estava no Canadá, uma forte ressaca levou todo o quiosque, com tudo o que havia nele. Paulo não percebeu nisso o sinal do desastre maior, acreditou tratar-se de uma instabilidade passageira e investiu pesado na construção de um novo, maior e mais bem equipado quiosque.
Quando a construção estava pronta para a reinauguração, veio a carga principal da borrasca, a operadora turística para quem trabalhara por tantos anos fechou as portas da noite para o dia numa escandalosa falência noticiada no Jornal Nacional. Sua fonte de recursos se esgotara. O quiosque não faturava o suficiente sequer para pagar seus custos. Aos poucos, foram comendo tudo o que tinham guardado. Logo, Paulo descobriu que sua musa inspiradora decidira vingar-se pelo fracasso financeiro de uma forma bastante peculiar, traindo-o com alguns homens que tivessem em comum o fato de serem conhecidos do marido, humilhando-o até às raízes de sua alma.
Novo divórcio, mais uma vez Paulo deixava para trás tudo o que construíra. Sobreviveu com biscates por alguns anos. Deu aulas de Inglês, tentou um site de publicidade na rede, conseguiu trabalho numa grande companhia aérea, por indicação de uma boa amiga, mas foi despedido antes de completar o período de experiência. A auto-estima cada vez mais baixa, a idade avançando implacável. Contou com a ajuda de amigos fiéis, que o abrigaram, mas tinha que reagir, encontrar uma saída. Pensou na filha, que morava em Curitiba com o marido e suas duas pequenas filhas. Ela o recebeu por uns meses, mas fechou questão em que ele achasse uma saída urgente. A saída não apareceu e a filha o forçou a sair e virar-se sozinho. Foi quando teve a ideia de ir morar naquela pequena cidade, não muito distante de lá, para poder rever a filha e as netas quando pudesse, onde poderia haver mercado para trabalhar como professor de Inglês.
Instalara-se à princípio num hotel e dava as aulas, para os poucos alunos que logrou matricular, numa escola próxima. Mas os donos da escola queriam uma participação societária em seu curso e, com sua recusa, cancelaram o uso da sala de aulas. Paulo conseguiu alugar a casa simples, onde instalou-se com o nada que possuía e seguiu dando as aulas e tentando obter novos alunos. Parentes e amigos distantes, além de uma família local que se tornou amiga, ajudaram como puderam. Surgiram colchão, roupa de cama e alguns móveis emprestados. Uma de suas irmãs veio com o marido, de São Paulo, trazendo um razoável enxoval para guarnecer a casa. Mas novos alunos não apareceram.
Naquela madrugada de inverno, Paulo sabia que por um mês, talvez dois, conseguiria manter-se aos trancos e barrancos com a ajuda dos cartões de crédito, mas o caos estava próximo e não conseguia ver nenhuma luz no fim do túnel. Sem namorada, sem ter sequer com quem conversar sobre os problemas, sentindo dores da artrite nos dois cotovelos, parecia estar em queda livre num precipício sem fundo. Era assim que se sentia, enquanto os camundongos se refestelavam sobre o forro do quarto e o sono não voltava.
Quando a claridade do dia começou a penetrar pela janela basculante do quarto e os roedores já haviam saído, o silêncio envolvia o homem que mudava de posição a cada cinco minutos, quando ele teve uma ideia que prendeu sua atenção. Pensou:
“- Se eu cometesse um crime, um crime pesado... Não, nada que colocasse a integridade física de alguém em risco. Um golpe, um grande golpe, um golpe milionário, que fosse descoberto, eu seria preso. Na prisão teria com quem conversar, teria o que comer e ninguém me cobraria aluguel! Boa ideia! Um crime. Preciso bolar um crime que seja grande, mas que eu seja descoberto logo e preso.”
Paulo levantou-se animado, correu para um banho quente, vestiu-se e tomou uma caneca de leite com chocolate, comeu alguns biscoitos. Em sua cabeça, somente um pensamento, tinha que planejar um grande crime. Mas como? Que golpe poderia armar? Assalto? Nem pensar, não seria capaz de tomar o que não lhe pertencesse prejudicando a outra pessoa, e num assalto poderia haver reação, violência. Tinha que ser alguma coisa ligada a um grande desfalque. Mas como dar um desfalque se nem sequer um emprego tinha? Estava decidido a encontrar o plano certo, e teria que ser dinheiro de uma empresa grande, algo que o seguro cobrisse, que não causasse mal a ninguém diretamente.
Sentou-se à mesa com um caderno e caneta, rabiscava sobre as folhas, desenhava pequenos objetos, mas o plano mirabolante não surgia. Decidiu sair às ruas, andar a esmo, buscar alguma coisa onde não imaginava. Foi quando ajudava uma senhora a atravessar a rua que viu a placa:
“EMPRÉSTIMOS SEM BUROCRACIA – SEU IMÓVEL COMO GARANTIA”
Era uma pequena loja, aparentemente nova, pois ele não se lembrava de tê-la visto antes. Havia diversos cartazes que anunciavam empréstimos para resolver todos os problemas dos tomadores. Aproximou-se, no interior duas pequenas mesas, onde um homem engravatado e uma garota bonita e bem vestida atendiam. Pessoas esperavam num sofá. Leu melhor os cartazes. Era alguma destas financeiras agiotas que emprestam dinheiro a aposentados. Os cartazes diziam que aceitavam imóveis como garantia de pagamento e aprovavam empréstimos de até um terço do valor do imóvel. A mente de Paulo se iluminou, era isso! Dar um golpe numa empresa de agiotagem era mais que perfeito. Afinal, aquelas empresas se aproveitavam da situação difícil das pessoas para faturar uma enormidade em juros, ele não se importaria em causar-lhes um prejuízo, que depois ainda seria ressarcido, quando fosse preso.
Correu para casa e alinhavou o plano em detalhes. Ia falsificar documentos de uma fazenda de produção de fumo, grande o suficiente para conseguir a aprovação de um empréstimo de um milhão de Reais. Depois, a financeira se daria conta da fraude e o denunciaria à polícia. Era o plano que precisava. Pensou em tudo o que precisaria fazer. Tinha estado no cartório local semanas antes, providenciando o reconhecimento de firma num atestado de residência para que pudesse transferir seu título de eleitor. A funcionária do cartório fora simpática e Paulo sugeriu-lhe que fizesse o curso de Inglês. Arrumou-se com cuidado, usou perfume e saiu para o cartório. A moça estava lá, não havia movimento.
Paulo puxou conversa, contou que uma família conhecida estava negociando uma fazenda de fumo e que ele gostaria de conhecer toda a documentação necessária, para poder apoiá-los e não permitir que fossem enganados no negócio. Disse que não entendia nada do assunto, mas que temia pelos amigos, pessoas de idade avançada, pedindo à moça que lhe mostrasse tudo o que pudesse sobre fazendas da região. Ela foi solícita, mostrou-lhe os documentos de uma fazenda que estava sendo registrada. Paulo pegou papel e caneta, fez-se de interessado e grato, anotou tudo o que viu. Perguntou sobre os carimbos e selos, quis vê-los a todos e esboçou desenhos que os reproduziam.
Durante o tempo em que trabalhara com a tentativa de implantar um site de publicidade no nordeste, aprendera muito com os rapazes que criavam as imagens nos computadores. Tinha arranjado uma cópia pirata do famoso programa de criação vetorial e por diversas vezes praticou nele, aprendendo muitos detalhes. Estava seguro que poderia reproduzir os carimbos e selos com bastante aproximação. Não podia falhar, pois sabia que se fosse pego pela tentativa de golpe, no máximo passaria algum tempo preso e acabaria solto por ser primário, causando ainda mais danos a sua vida já tão complicada.
Nas duas semanas que se seguiram trabalhou muito no computador, varando até algumas madrugadas. Praticamente só parava para dar as poucas aulas por semana a seus alunos. Fez testes de impressão sobre o verso de embalagens de plástico metalizado, como as de batatas fritas, para aproximar-se o mais possível das holografias dos selos do cartório. Quase desistiu algumas vezes, mas perseverou e conseguiu concluir a documentação. Tinha em mãos escritura, registros e licenças de uma grande fazenda de fumo nos limites do município.
Na internet, reuniu material suficiente para um anteprojeto de melhorias na produção e secagem do fumo. Baixou até fotos, que davam a ideia de serem da suposta fazenda. Iria à financeira com o anteprojeto, para justificar o pedido do empréstimo. Também através da internet, conseguiu até uma avaliação para a fazenda, que poderia ser negociada por cerca de quatro milhões de Reais, com as supostas benfeitorias.
Comprou uma boa garrafa de vinho e festejou sozinho na véspera do dia da apresentação do golpe, admirando o resultado do trabalho espalhado sobre a mesinha da sala de aulas. Estava tudo muito bom. Faltaria agora a cara de pau necessária para aplicá-lo. Temia falhar nesta hora, uma vez que nunca havia cometido um crime na vida, não costumava mentir e nunca enganara ninguém. Mas acabou convencendo-se de que lograria sucesso. Já nem sabia mais se o sucesso do golpe valeria para o objetivo de ser preso para sempre e acabar de vez com a solidão e a incapacidade em seguir se sustentando, ou se para elevar sua auto-estima por ter conseguido fazer novamente uma coisa bem feita, cuidadosamente planejada. Também nem se importava mais com isso, estava obcecado pela ideia e não recuaria mais. Pensou que talvez até sua filha se importasse e decidisse visitá-lo na prisão. Concluiu que se ela não se orgulhava dele como pai, tendo sido ao menos honesto por toda a vida, que sofresse a decepção de sabê-lo criminoso.
Acalmado pelo vinho foi deitar-se e surpreendentemente mergulhou num dos melhores sonos dos últimos meses. Dormiu direto, não escutou os camundongos, não se incomodou com o frio, nem se levantou para urinar no meio da noite.
Levantou cedo e bem animado, estava um pouco nervoso, mas confiante o bastante para acalmar-se. Tomou um longo banho, barbeou-se com cuidado e vestiu-se para parecer distinto o suficiente para o grande golpe. Depois de seu desjejum habitual checou se tinha à mão todos os documentos e saiu.
Na loja da financeira, a moça estava disponível quando ele entrou. Chamou-o a tomar o assento em frente a sua mesa e atendeu-o sorridente. Paulo preferiu disfarçar o nervosismo com uma pretensa excitação por estar tentando fechar um negócio tão vultoso para seu empreendimento. A moça não se deu conta de sua agitação e o escutou atenta. Falou que era preciso examinarem a documentação da fazenda e que no máximo em dois dias, após a assinatura dos contratos, o empréstimo poderia ser liberado sem problemas. Acrescentou que tudo parecia indicar que não haveria nenhum impedimento. De posse da documentação, levantou-se e foi falar com o homem na outra mesa, tão logo este ficou livre de seu cliente. Paulo não ouviu o que eles falaram, uma vez que ela estava de costas para ele e falava muito baixo, inclinada próxima ao homem, mas viu que o homem lhe dirigiu o olhar e sorriu amistosamente, após conferir os documentos.
De volta, ela pediu licença a Paulo para fotocopiar a documentação enquanto ele preenchia uma ficha de cadastro. Ele sentiu medo pela primeira vez, a partir das cópias o escritório poderia checar os registros no cartório e facilmente descobrir a fraude. Lembrou que a tentativa de fraude seria um delito menor e pensou nos problemas que lhe causaria. Quis levantar-se e fugir dali, mas suas pernas não obedeceram. Ao invés disso, preencheu a ficha e entregou-a assinada à moça tão logo retornou à mesa. A mente de Paulo parecia um turbilhão. A funcionária devolveu-lhe os papéis e anunciou que telefonaria tão logo fosse aprovado o empréstimo, para a assinatura dos contratos e formalidades.
Paulo quase tropeçou na saída da loja, saiu andando sem rumo e deu muitas voltas antes de voltar para casa. Pensava muito na probabilidade de arrumar uma mochila de roupas e fugir naquela tarde, não queria ser flagrado na tentativa de um golpe que agora lhe parecia tão bisonho e infantil. Era óbvio que a financeira iria checar tudo antes de liberar o empréstimo e ele seria detido pela tentativa do golpe. Entrou em casa e correu a arrumar a mochila, mas foi diminuindo o ritmo até parar totalmente. Sentiu-se ridículo, um ladrão de galinhas. Achou que bem merecia ser pego para acabar de vez com tudo. Sentou-se com a mochila no colo e acabou decidindo que esperaria o andamento das coisas, que quando a polícia batesse à sua porta resistiria à prisão e faria algo que levasse os policiais a crerem que iria pegar uma arma, acreditou que poderiam atirar nele e facilitar as coisas.
Naquela noite não dormiu, saiu, tomou várias cervejas, comprou uma garrafa de batida e fechou-se em casa para bebê-la até acabar. Pela manhã estava péssimo, não sabia o que fazer. Ora pegava a mochila e preparava-se para sair, correr para a rodoviária e comprar uma passagem para qualquer lugar bem distante, depois arrependia-se e ficava prostrado por muito tempo, até querer fugir de novo e desistir outra vez. Quando o celular tocou, custou a entender o que acontecia, mas alcançou-o a tempo de atender à ligação. A voz feminina do outro lado da linha parecia alegre. Era a moça da financeira. Depois de alguns instantes, Paulo conseguiu fixar-se no que ela dizia:
“- Senhor Paulo, o senhor está bem?”
“- Sim, eu estava um pouco distraído, mas pode falar!”
“- É sobre o seu pedido de empréstimo. A matriz confirmou que pelo valor de suas terras pode liberar um empréstimo de até um milhão e duzentos mil Reais, para serem pagos em sessenta meses com dois anos de carência. O senhor está de acordo?”
“- Um milhão e duzentos...”
“- Sim. Os contratos e formalidades estarão prontos amanhã, antes do meio dia. Tão logo o nosso escritório daqui confirme suas assinaturas a matriz libera o valor em sua conta corrente.”
“- Certo, eu passo aí então no final da manhã!”
“- Positivo. Nos vemos amanhã então, senhor Paulo. Traga toda a documentação original, por favor.”
Paulo caiu sentado num banquinho que estava próximo, com o telefone na mão. Não podia ser verdade. Na certa, era um plano para prendê-lo assim que chegasse à loja. Depois de um tempo, achou que merecia mesmo ser pego pela ingenuidade de tentar aplicar um golpe tão mal engendrado, tão infantil. Mas também havia a possibilidade de não haverem descoberto a fraude. Quem sabe? Ele tinha acreditado tanto que seria possível. Porque não? Claro, até então poderia ter corrido tudo bem porque o escritório tinha ficado apenas com cópias e podiam não ter checado com o cartório. Havia uma chance!
Mais tranquilo, Paulo tratou de alimentar-se e tentar dormir. O sono foi agitado e entrecortado. Os camundongos incomodaram, o frio incomodou. Quando dormia, os pesadelos o acordavam. Mas a noite passou e Paulo decidiu que iria à loja e prosseguiria conforme o anteriormente planejado.
Por volta da onze horas saiu de casa e foi para a lojinha da financeira. O homem engravatado o recebeu junto com a moça. Eram ambos só sorrisos e mesuras. Mostraram a Paulo uma pilha de papéis a serem assinados. Segundo eles, meras formalidades. Paulo conhecia o suficiente sobre textos jurídicos, crescera no escritório de advocacia do pai, numa leitura dinâmica sobre os papéis pode perceber que eles se pareciam mais com procurações, dando poderes de venda da fazenda aos outorgados, e recibos. Julgou tratarem-se das tais formalidades, mas desconfiou da honestidade dos papéis. Depois, riu para si pois lembrou-se que o desonesto ali era ele. O homem pediu que ele o acompanhasse ao cartório para as assinaturas. Paulo tremeu, mas logo recuperou-se quando o homem informou que não seria necessário apresentar no cartório a documentação da fazenda, uma vez que tudo o que precisavam era do reconhecimento das assinaturas dele.
Na volta ao escritório, o funcionário da financeira entregou um envelope a Paulo com a cópia do contrato de empréstimo e telefonou para um número, garantindo que já estavam todas as formalidades satisfeitas. Depois, informou a Paulo que o depósito já estaria sendo feito de imediato, por transferência bancária.
Paulo saiu da loja eufórico. O golpe estava dado, agora já podia ser pego, imaginou que não levaria muito tempo. Entrou num restaurante de comida em quilo e pediu uma cerveja enquanto servia-se para uma farta refeição. Mais tarde, passou no banco e decidiu checar sua conta. Quase perdeu a respiração quando constatou que aquele um milhão e duzentos mil Reais estavam lá, liberados. Pensou em sacar uma parte, sair da cidade, tomar um avião e ir festejar no Rio, mas lembrou-se que seu plano incluía a devolução integral do valor roubado. Chegou a pensar que isso talvez aliviasse sua pena, o que definitivamente não queria, mas sentiu-se incapaz de tocar naquele dinheiro que, a bem da verdade, não lhe pertencia.
Sucesso! Era tudo em que conseguia pensar. Seu plano fora um sucesso. Cometera o imaginado crime sem ferir ninguém. Já se imaginava sendo preso.
Mas os dias se passaram. Um, dois, quatro. Nada acontecia. Decidiu passar em frente à loja da financeira, ver se o reconheciam, o que aconteceria. A loja estava fechada.
Naquela noite, tomava uma cerveja num restaurante onde às vezes jantava, quando o Jornal Nacional anunciou o estouro de um golpe milionário que vinha sendo aplicado havia alguns meses por uma quadrilha em diversas cidades de interior de vários estados. Os criminosos, segundo a notícia, faziam-se passar por uma financeira que emprestava dinheiro contra garantias imobiliárias. Liberavam um terço do valor dos imóveis em empréstimos aos tomadores, mas os faziam assinar procurações em que uma empresa de fachada se apropriava um tempo depois dos imóveis. Quando algumas vítimas descobriram que haviam perdido seus imóveis, denunciaram o crime e a polícia rastreou a quadrilha, cujos chefes lograram fugir para o exterior. Paulo reconheceu de imediato o nome da financeira de fachada.
Cinco anos mais tarde, enquanto recebia um copo cheio de piña colada para degustar sob o guarda-sol de uma barraca de praia em Salvador, Paulo lembrou-se do ocorrido e com um largo sorriso virou-se para a bela mulher a seu lado. Disse:
“- Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão!”

domingo, 27 de junho de 2010

MASSARANDUPIÓ - LITORAL NORTE BAIANO - O PARAÍSO


Quando algum cineasta de Hollywood realizar um novo filme sobre o Paraíso, com certeza poderá escolher Massarandupió como locação. Basta subir uma das altas dunas brancas da segunda linha que fecham o local pelo oeste para descortinar um dos mais lindos cenários de marinha do planeta.

Durante o período do Império, o nobre português Garcia D'Ávila recebeu como concessão toda a faixa litorânea ao norte de Salvador, de Itapuã a Mangue Seco na divisa com o estado de Sergipe, para colonizar e desenvolver. A região, hoje denominada Área de Preservação Ambiental (APA) do Litoral Norte, dotada de rara beleza natural, fora habitada por índios de uma então já quase extinta tribo conhecida por Massarandupiós. Segundo registros encontrados no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, os Massarandupiós teriam tido sua principal taba na região onde hoje está o atual povoado de Massarandupió.

Mas não é o que contam os mais antigos moradores do povoado, como Seu Cristóvão. Segundo estes, o local teria sido denominado em virtude de ali ter havido alguns pés de maçaranduba (do tupi masarã'duwa), árvore que produz um pequeno fruto bacáceo amarelo. Em algum tempo remoto, meninos que chupavam as bagas das árvores dali teriam considerado-as piores que as de algum outro local, passando a referir-se como ao lugar da maçaranduba pior, ou por corruptela aglutinada "Massarandupió".

Talvez mesmo as duas versões venham a ser a mesma, se pensarmos que a tribo possa ter sido denominada da forma narrada acima, mas isto realmente não vai nos importar muito agora, pois nosso objetivo é compartilhar com você o que poderíamos chamar de "Massarandumió" (no palavreado nativo “mió” significa melhor e “pió” significa pior).

LOCALIZAÇÃO E ASPECTO

Massarandupió é um pequeno povoado pertencente ao Município de Entre Rios, na Bahia. Possui uma faixa litorânea de cerca de oito quilômetros de extensão total de rara e quase intocada beleza, estando no coração da ZPR (Zona de Proteção Ambiental Rigorosa) da APA (Área de Preservação Ambiental) do Litoral Norte da Bahia. O povoado em si está concentrado a cerca de quatro quilômetros de distância da rodovia Linha Verde por uma estrada de chão batido que o corta em direção à praia, outros três quilômetros mais adiante.
Existem algumas pousadas e restaurantes no povoado, além de um certo número de botecos (pequenos bares) e mercadinhos. Uma das pousadas, mais elaborada, é a Carmo, do seu Rivaldo, com vinte e dois apartamentos, excelente piscina e ótimo café da manhã. A outra, mais simples, Santo Antônio, do folclórico seu Emídio, com cerca de dez quartos e apartamentos, fornece excelente café da manhã e também abriga um dos restaurantes do povoado, o de dona Rosa. A pousada Portal da Vila possui bons apartamentos e café da manhã, e a pousada Nelissa dispõe de oito pequenos apartamentos sem café da manhã. Há também a Pousada Naturista Quinta das Flores, onde toda a nudez é permitida. O melhor restaurante é o Espaço Verde, das irmãs Therezinha e Amaíse, com ambiente muito agradável e comida excelente.
Na entrada principal da praia há algumas barracas com serviços de bar e restaurante, entre pequenas e grandes como a de Bideco, que também possui um bom barzinho no povoado (Bardeco). Estas barracas são especializadas em caranguejos e cerveja gelada. Depois, na direção sul, a meio caminho para a praia naturista há outra boa barraca, a do Patrício, que funciona diariamente o ano inteiro.
A praia de Massarandupió é quase retilínea, de areia fofa e clara, mar calmo cujas tonalidades entre o verde e o azul são belíssimas, apresentando pequenas faixas de rochas na linha de preamar em alguns pontos. Toda a extensão da praia é emoldurada por uma alta fileira de dunas cobertas por vegetação rasteira e imponentes coqueiros. Por trás destas dunas há um vale de cerca de trezentos metros de largura até uma segunda linha de dunas ainda mais altas de areias muito brancas que limitam a vegetação mais densa de mata atlântica por trás destas. O vale entre as dunas do mar e da mata é cortado por um riacho de águas ferruginosas muito quentes à tarde, totalmente livres de qualquer poluição e que forma piscinas naturais em alguns pontos.
Ao norte da entrada principal da praia, o vale ainda apresenta um manguezal intacto de cerca de dois quilômetros de extensão até a foz do riacho, que fecha Massarandupió pelo norte fazendo limites com Subaúma. Para o sul da entrada principal pela praia, depois de cerca de mil e quinhentos metros, encontra-se alguns blocos de lajes rochosas na linha de preamar que tornam a natação neste local não recomendável, mas o visual bonito e a pesca satisfatória. trezentos metros mais ao sul está o balizamento da entrada oficial da reserva naturista, com uma faixa de adaptação à nudez de duzentos metros, onde homens devem despir-se totalmente e mulheres podem permanecer em "top-less". A partir daí para o sul são mil e oitocentos metros de nudez, liberdade, fraternidade, alegria, descontração, respeito e paz.
Dentro da área naturista, há barracas com serviços de bar e restaurante, que servem petiscos inigualáveis e cerveja ou refrigerantes muito gelados.
Mas é preciso salientar que a nudez só é liberada (e até obrigatória) dentro da reserva naturista. Sob hipótese alguma é tolerada a nudez nos arredores, ou no povoado. Exceto na pousada naturista.
As mulheres nativas de Massarandupió realizam excelente trabalho de artesanato em palha colorida de piaçava, confeccionando bolsas, esteiras, chapéus, sous plats, ventarolas e outros objetos que vendem a preços pra lá de convidativos, expostos nas varandas de suas próprias casas.

COMO CHEGAR DE CARRO

Deixando Salvador para o norte passa-se pelo aeroporto internacional Dep. Luís Eduardo Magalhães onde começa a Estrada do Coco, privatizada pela CLN. Esta estrada é praticamente retilínea e pedagiada, segue por cinquenta e seis quilômetros até o acesso da famosa Praia do Forte, onde termina. Logo neste acesso prossegue outra moderna rodovia também semi retilínea rumo norte, chamada Linha Verde, com quilometragem contínua com a Estrada do Coco. Logo você vai passar o mirante, de onde se descortina lindíssima vista da costa tomando uma água de coco bem geladinha dos quiosques locais. Um pouco adiante está o acesso ao pitoresco balneário de Imbassaí, depois o acesso ao paradisíaco povoado e praia do Diogo, mais adiante a imponente entrada do complexo turístico/hoteleiro Costa do Sauípe e na travessia do rio Sauípe entra-se no município de Entre Rios. Logo após passa-se pelo acesso ao povoado de Porto de Sauípe, a seguir está um posto da Polícia Rodoviária Estadual, siga em frente e no km 88 você encontrará um pequeno núcleo urbano, com churrascaria, borracheiros, oficinas mecânicas e o posto de combustíveis Linha Verde, em cuja lanchonete come-se um excelente e inigualável pastel gigante. Duzentos metros além do posto está o trevo que dá acesso a Massarandupió à direita e à rodovia que leva à sede do município, à esquerda.
Saia à direita voltando em frente a umas casinhas para o sul, mas vire à esquerda logo na primeira esquina, rumo leste, prosseguindo cerca de quatro quilômetros até o povoado.

COMO CHEGAR DE ÔNIBUS

Na Estação Rodoviária de Salvador, ou na Estrada do Coco na pista sul/norte, tome ônibus da empresa Linha Verde, pedindo ao bilheteiro da estação ou ao motorista do ônibus, se o pegar no caminho, para ficar em Massarandupió, Linha Verde, km 88.
O ônibus não o trará até Massarandupió, mas até o entroncamento de acesso no km 88 da Linha Verde, de onde você poderá vir a pé (dureza sob o sol ou carregando bagagem), obter uma carona (melhor, mas às vezes pode ter que esperar muito, pois o tráfego é pequeno), ou ligar antecipadamente para uma das pousadas para marcar hora para o transfer desde a rodovia.

HISTÓRICO DA RESERVA NATURISTA

Em 1997, o aposentado baiano Miguel Vasco Calmon Gama e sua esposa Mary, proprietária de uma pequena agência de viagens especializada em organizar grupos de compras para visitas a São Paulo, Ciudad del Este e Belo Horizonte, assistiram a uma reportagem sobre a praia naturista de Tambaba (Paraíba) na televisão. Miguel interessou-se e sugeriu a montagem de um grupo para uma excursão, para passar um feriadão naquela praia. Colocaram um pequeno anúncio no jornal, mas enganaram-se ao referir-se à praia como de "Naturalismo".
O carioca aposentado pelo Banco do Brasil Antônio Ferro, residente em Lauro de Freitas (município vizinho a Salvador), leu o anúncio. Ele já tinha vivenciado o Naturismo em visita à praia do Pinho em Santa Catarina anos antes e mantinha-se relativamente bem informado sobre o movimento naturista através da revista Naturis. Decidiu imediatamente ligar para o número no anúncio e conversou com Miguel. Apresentou-se, falou de sua experiência naturista e citou o engano na chamada do anúncio. Sentiu a inexperiência de Miguel no assunto e propôs ajudá-lo no projeto da viagem.
Poucos interessados contataram a Mary Tour para reservar lugar no grupo e a viagem teve de ser cancelada. Contudo, estes poucos decidiram unir-se sob a liderança de Miguel para tentar obter uma praia para a prática do Naturismo na Bahia. Miguel e Ferro, aposentados, passaram a visitar diversos municípios litorâneos em busca do lugar ideal. Numa destas idas e vindas, pararam para um cafezinho num brique que existia no km 88 da Linha Verde. A proprietária, dona Maria, escutou a conversa dos dois enquanto lhes servia o café e pediu desculpas para interrompê-los e informar que se procuravam por uma praia para ficar pelados, havia uma parte isolada ao sul da praia regular de Massarandupió, com acesso logo à frente de seu estabelecimento, onde era sabido que alguns casais costumavam despir-se nos finais de semana para desfrutar juntamente com seus filhos e amigos. O pequeno grupo, que vinha de Salvador, fazia churrascos na praia em suas visitas e já tinha chamado a atenção dos pescadores e outros passantes ocasionais por parecerem não se importar em ter exposta sua nudez.
Os dois trataram de tomar o acesso em frente ao brique, junto ao posto de combustíveis Linha Verde, e após quatro quuilômetros passaram pelo povoado de Massarandupió, dali mais três quilômetros (tudo em estrada de chão batido) chegaram à entrada principal da praia.
Depois de saberem que aquela praia pertencia ao município de Entre Rios, rumaram para a sede do município, setenta quilômetros para o interior às margens da BR-101, para procurar o prefeito.
Quinze quilômetros ao sul do acesso a Massarandupió, pela Linha Verde, a construtora Norberto Odebrecht construía um imenso complexo hoteleiro primeiro-mundista. Por apenas quatro quilômetros o local estava fora do município de Entre Rios, pertencendo a Mata de São João. O prefeito de Entre Rios na ocasião era o Sr. Raul Malbouisson Mello, hoje já falecido, que pretendeu não deixar seu município sem algo especial que atraísse os visitantes do futuro complexo Costa do Sauípe, para ajudar a desenvolver a região. Ele também já tinha sido informado da apreensão dos nativos de Massarandupió com o grupo de gente que por lá aparecia para se desnudar na área mais deserta ao sul da praia, tinha lido e assistido muitas reportagens sobre Naturismo e concordava com os princípios deste movimento, com o qual já tinha tido alguns contatos mais próximos em viagens pelo velho continente. Homem público de visão e dotado de grande cultura, o senhor Raul idealizara a criação de uma reserva naturista a cerca de dois quilômetros ao sul da entrada principal da praia de Massarandupió. Sonhou planejar ali uma pequena vila naturista, a exemplo da já famosa Colina do Sol de Taquara, Rio Grande do Sul, mas não conhecia nenhum naturista para tocar a idéia e administrar o projeto.
A visita inesperada de Miguel e Ferro caiu para o prefeito como uma luva. Tratou de desengavetar seus planos e entregou a Miguel o comando do que viria a ser a primeira reserva naturista oficial da Bahia.
O senhor Raul assinou a primeira autorização provisória, que deveria ser renovada a cada dois meses e foi marcada a inauguração oficial para o carnaval de 1998.
A inauguração da reserva foi um sucesso, contando inclusive com reportagem no programa Fantástico, que mostrava ao Brasil que alguns baianos haviam dispensado o uso das famosas mortalhas (como se chamam as túnicas carnavalescas dos blocos de Salvador) para brincar aquele carnaval. A freqüência da praia cresceu rápido e logo havia um grande grupo de adeptos nos finais de semana.
No princípio de Fevereiro daquele ano, antes mesmo da inauguração oficial, um dos casais freqüentadores originais da praia, do grupo que já desfrutava do local muito antes da chegada de Miguel e Ferro, mandou-me um e-mail para anunciar a novidade da oficialização. Alberto e Márcia convidavam-nos, a mim e a minha ex-esposa Lurdes, para vir conhecer a mais nova praia oficial de Naturismo do Brasil. Um mês depois, outro frequentador entusiasmado também visitou meu "site" sobre Naturismo e Pintura Corporal e mandou-me o mesmo convite. Eu e Lurdes decidimos mandar uma carta ao prefeito Raul Mello, falando de nosso interesse em conhecer o local e da possibilidade de irmos viver em Massarandupió. Logo fomos colocados em contato com Miguel, que nos deu todo o apoio para que na Páscoa fôssemos visitar o Paraíso.
Voamos para lá eu, Lurdes e o filho dela, Juniclei. Não deu outra, nos encantamos tanto que a decisão de ir viver lá foi mesmo unânime da família. Miguel nos levou a uma reunião com o prefeito, onde ficamos combinados de ir de mudança em Outubro daquele ano para juntos tocar para a frente o projeto da vila naturista. Seria criada uma urbanização na área atrás das dunas, com infra-estrutura; os lotes comerciais seriam vendidos para a implantação de pousadas, restaurantes e comércio. Eu e Miguel receberíamos um lote cada para gerenciar a implantação da vila; eu e Lurdes sonhamos construir nele uma pousada.
Foi assim que no dia 6 de Outubro de 1998 chegamos de mudança à Bahia e fomos para Massarandupió. Mas logo ficamos sabendo que o projeto da vila estava por um fio para ser engavetado de vez por falta de recursos, mas também e principalmente porque a área é uma ZPR (zona de preservação ambiental rigorosa) dentro da APA (área de preservação ambiental) do Litoral Norte da Bahia. Sendo assim seria absolutamente proibida a construção de prédios habitáveis na proximidade da praia, havendo apenas a possibilidade de construção de barracas de praia, sem alvenaria.
Conseguimos então com o prefeito a concessão para construir e explorar nossa própria barraca, que seria chamada Bat Batidas. Construímos nossa casa no povoado e a barraca na reserva naturista.
O prefeito seguia insistindo com Miguel pela regularização da associação, sem sucesso, o que atrasava o repasse oficial de recursos, forçando-o a seguir utilizando seu próprio capital para ajudar a reserva. Por aquela época, nos meses de Abril e Maio de 1999, comecei a discordar profundamente com algumas atitudes de Miguel na administração da reserva naturista. Procurava-o todas as semanas para discutir tais pontos de vista, mas este saía-se sempre com evasivas e prosseguia cometendo os mesmos erros. Foi então que decidimos, eu e Lurdes, procurar o prefeito para relatar-lhe os acontecimentos. Ele aconselhou-nos a fundar uma nova associação, oficializá-la e registrá-la nas formas da lei para que ele mandasse para a câmara de vereadores o projeto de lei que tornaria a reserva naturista definitiva e a associação de utilidade pública para receber recursos oficiais.
Concordei em realizar tudo isso, mas não aceitei ser o presidente da entidade. Foi-nos aconselhado então chamar a jornalista Noêmia Alves, proprietária de um jornal de Alagoinhas, freqüentadora da reserva, defensora do Naturismo e amiga do prefeito.
Foi assim que em nossa casa no povoado foi fundada a AMANAT - Associação Massarandupiana de Naturismo, tendo como presidente tal jornalista. Logo a entidade foi considerada de utilidade pública e o prefeito fez aprovar o decreto municipal de uso naturista definitivo da praia em 28 de Julho de 1999.

LEI MUNICIPAL DA RESERVA
ESTADO DA BAHIA
SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL
PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS

DECRETO N.º 1.571/99

Concede autorização permanente para a prática
de Naturismo, em local que indica.

            O PREFEITO MUNICIPAL DE ENTRE RIOS, Estado da Bahia, no uso de suas atribuições legais, de conformidade com o que estabelece o artigo 48, inciso I, alínea j, combinado com o artigo 102, inciso VIII, da Lei Orgânica deste Município e,

Considerando que o Naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, com o objetivo de favorecer o auto-respeito, o respeito mútuo e a preservação do meio ambiente;

Considerando o que faculta o decreto 7.661, de 16 de Maio de 1998 - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, parágrafo 10;

Considerando que o Município tem condições de ser um pólo turístico nacional e internacional, pela beleza de suas praias e litoral;

Considerando que esta Prefeitura Municipal entende ser o Naturismo uma atividade benéfica à saúde mental, capaz, inclusive de favorecer iniciativa privada, incrementando o turismo e o comércio;

Considerando, ainda, que é dever constitucional incentivar e apoiar as entidades ambientalistas não governamentais constituídas na forma da lei;

DECRETA:

Art. 1º - Fica autorizada a Associação Massarandupiana de Naturismo - AMANAT, declarada de Utilidade Pública pela Lei Municipal n.º 298/99, de 05 de Julho de 1999, a desenvolver a prática de Naturismo em caráter permanente, na praia de Massarandupió, neste Município.

Parágrafo Único - Para a prática do Naturismo de que trata este artigo, fica estabelecida uma área litorânea de 2.000m (dois mil metros) de extensão, a partir da marca de 1.800m (hum mil e oitocentos metros), contados do local onde estão instaladas seis barracas de praia, seguindo a direção sul.

Art. 2º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogam-se as disposições em contrário.

Gabinete do Prefeito Municipal de Entre Rios, 28 de Julho de 1999

(assinatura)
Raul Malbouisson Mello
Prefeito Municipal

CÓDIGO DE ÉTICA NATURISTA DA PRAIA DE MASSARANDUPIÓ
AMANAT - ASSOCIAÇÃO MASSARANDUPIANA DE NATURISMO
MUNICÍPIO DE ENTRE RIOS - BAHIA

Naturismo é um estilo de vida em harmonia com a natureza, que abomina toda e qualquer forma de preconceito, caracterizado pela naturalidade e respeito plenos. O Naturismo adota a prática da nudez social e familiar, com o intuito de incentivar o auto-respeito, o respeito mútuo entre os indivíduos e com o meio ambiente.

Nós naturistas freqüentadores da praia de Massarandupió, consideramos expressamente proibido:

1. Praticar atos de caráter sexual ou obsceno nas áreas públicas, por ser a praia de convívio estritamente familiar;
2. Agir de maneira desrespeitosa ou agressiva com quem quer que seja e em qualquer situação;
3. Constranger através de situação ativa ou passiva, por gestos ou palavras, quaisquer outras pessoas na área de abrangência naturista;
4. Filmar, gravar ou fotografar por qualquer método ou distância os naturistas na área, sem seus consentimentos prévios;
5. Praticar jogos ou outras atividades que possam colocar em risco a segurança, tranqüilidade ou conforto dos freqüentadores, em áreas não demarcadas para estes fins;
6. Satisfazer necessidades fisiológicas de qualquer espécie nas áreas públicas;
7. Deixar lixo de qualquer natureza fora de receptáculos apropriados, em toda a área naturista;
8. Trazer ou permitir a entrada de animais na área naturista;
9. Retirar mudas de plantas, danificar as existentes ou causar qualquer dano ao meio ambiente na área naturista;
10. Não aderir à prática da nudez social, a menos que seja pessoa empregada da Associação ou do comércio interno (quando a serviço), funcionário de empresa jornalística participando de cobertura aprovada pela Associação, menor de quinze anos de idade acompanhado pelos pais ou responsáveis, ou ainda alguma autoridade em visita oficial;
11. Vender, portar ou fazer uso de qualquer substância que seja considerada ilegal em nosso país.

Qualquer pessoa, naturista ou não, que descumprir as normas acima expressas será passível de punição prevista no ESTATUTO SOCIAL ou no REGIMENTO INTERNO desta Entidade, além de ser imediatamente convidada a retirar-se da área naturista, se necessário com o auxílio do Poder Público.

MASSARANDUPIÓ - LITORAL NORTE BAIANO - O PARAÍSO


Quando algum cineasta de Hollywood realizar um novo filme sobre o Paraíso, com certeza poderá escolher Massarandupió como locação. Basta subir uma das altas dunas brancas da segunda linha que fecham o local pelo oeste para descortinar um dos mais lindos cenários de marinha do planeta.

Durante o período do Império, o nobre português Garcia D'Ávila recebeu como concessão toda a faixa litorânea ao norte de Salvador, de Itapuã a Mangue Seco na divisa com o estado de Sergipe, para colonizar e desenvolver. A região, hoje denominada Área de Preservação Ambiental (APA) do Litoral Norte, dotada de rara beleza natural, fora habitada por índios de uma então já quase extinta tribo conhecida por Massarandupiós. Segundo registros encontrados no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, os Massarandupiós teriam tido sua principal taba na região onde hoje está o atual povoado de Massarandupió.

Mas não é o que contam os mais antigos moradores do povoado, como Seu Cristóvão. Segundo estes, o local teria sido denominado em virtude de ali ter havido alguns pés de maçaranduba (do tupi masarã'duwa), árvore que produz um pequeno fruto bacáceo amarelo. Em algum tempo remoto, meninos que chupavam as bagas das árvores dali teriam considerado-as piores que as de algum outro local, passando a referir-se como ao lugar da maçaranduba pior, ou por corruptela aglutinada "Massarandupió".

Talvez mesmo as duas versões venham a ser a mesma, se pensarmos que a tribo possa ter sido denominada da forma narrada acima, mas isto realmente não vai nos importar muito agora, pois nosso objetivo é compartilhar com você o que poderíamos chamar de "Massarandumió" (no palavreado nativo “mió” significa melhor e “pió” significa pior).

LOCALIZAÇÃO E ASPECTO

Massarandupió é um pequeno povoado pertencente ao Município de Entre Rios, na Bahia. Possui uma faixa litorânea de cerca de oito quilômetros de extensão total de rara e quase intocada beleza, estando no coração da ZPR (Zona de Proteção Ambiental Rigorosa) da APA (Área de Preservação Ambiental) do Litoral Norte da Bahia. O povoado em si está concentrado a cerca de quatro quilômetros de distância da rodovia Linha Verde por uma estrada de chão batido que o corta em direção à praia, outros três quilômetros mais adiante.
Existem algumas pousadas e restaurantes no povoado, além de um certo número de botecos (pequenos bares) e mercadinhos. Uma das pousadas, mais elaborada, é a Carmo, do seu Rivaldo, com vinte e dois apartamentos, excelente piscina e ótimo café da manhã. A outra, mais simples, Santo Antônio, do folclórico seu Emídio, com cerca de dez quartos e apartamentos, fornece excelente café da manhã e também abriga um dos restaurantes do povoado, o de dona Rosa. A pousada Portal da Vila possui bons apartamentos e café da manhã, e a pousada Nelissa dispõe de oito pequenos apartamentos sem café da manhã. Há também a Pousada Naturista Quinta das Flores, onde toda a nudez é permitida. O melhor restaurante é o Espaço Verde, das irmãs Therezinha e Amaíse, com ambiente muito agradável e comida excelente.
Na entrada principal da praia há algumas barracas com serviços de bar e restaurante, entre pequenas e grandes como a de Bideco, que também possui um bom barzinho no povoado (Bardeco). Estas barracas são especializadas em caranguejos e cerveja gelada. Depois, na direção sul, a meio caminho para a praia naturista há outra boa barraca, a do Patrício, que funciona diariamente o ano inteiro.
A praia de Massarandupió é quase retilínea, de areia fofa e clara, mar calmo cujas tonalidades entre o verde e o azul são belíssimas, apresentando pequenas faixas de rochas na linha de preamar em alguns pontos. Toda a extensão da praia é emoldurada por uma alta fileira de dunas cobertas por vegetação rasteira e imponentes coqueiros. Por trás destas dunas há um vale de cerca de trezentos metros de largura até uma segunda linha de dunas ainda mais altas de areias muito brancas que limitam a vegetação mais densa de mata atlântica por trás destas. O vale entre as dunas do mar e da mata é cortado por um riacho de águas ferruginosas muito quentes à tarde, totalmente livres de qualquer poluição e que forma piscinas naturais em alguns pontos.
Ao norte da entrada principal da praia, o vale ainda apresenta um manguezal intacto de cerca de dois quilômetros de extensão até a foz do riacho, que fecha Massarandupió pelo norte fazendo limites com Subaúma. Para o sul da entrada principal pela praia, depois de cerca de mil e quinhentos metros, encontra-se alguns blocos de lajes rochosas na linha de preamar que tornam a natação neste local não recomendável, mas o visual bonito e a pesca satisfatória. trezentos metros mais ao sul está o balizamento da entrada oficial da reserva naturista, com uma faixa de adaptação à nudez de duzentos metros, onde homens devem despir-se totalmente e mulheres podem permanecer em "top-less". A partir daí para o sul são mil e oitocentos metros de nudez, liberdade, fraternidade, alegria, descontração, respeito e paz.
Dentro da área naturista, há barracas com serviços de bar e restaurante, que servem petiscos inigualáveis e cerveja ou refrigerantes muito gelados.
Mas é preciso salientar que a nudez só é liberada (e até obrigatória) dentro da reserva naturista. Sob hipótese alguma é tolerada a nudez nos arredores, ou no povoado. Exceto na pousada naturista.
As mulheres nativas de Massarandupió realizam excelente trabalho de artesanato em palha colorida de piaçava, confeccionando bolsas, esteiras, chapéus, sous plats, ventarolas e outros objetos que vendem a preços pra lá de convidativos, expostos nas varandas de suas próprias casas.

COMO CHEGAR DE CARRO

Deixando Salvador para o norte passa-se pelo aeroporto internacional Dep. Luís Eduardo Magalhães onde começa a Estrada do Coco, privatizada pela CLN. Esta estrada é praticamente retilínea e pedagiada, segue por cinquenta e seis quilômetros até o acesso da famosa Praia do Forte, onde termina. Logo neste acesso prossegue outra moderna rodovia também semi retilínea rumo norte, chamada Linha Verde, com quilometragem contínua com a Estrada do Coco. Logo você vai passar o mirante, de onde se descortina lindíssima vista da costa tomando uma água de coco bem geladinha dos quiosques locais. Um pouco adiante está o acesso ao pitoresco balneário de Imbassaí, depois o acesso ao paradisíaco povoado e praia do Diogo, mais adiante a imponente entrada do complexo turístico/hoteleiro Costa do Sauípe e na travessia do rio Sauípe entra-se no município de Entre Rios. Logo após passa-se pelo acesso ao povoado de Porto de Sauípe, a seguir está um posto da Polícia Rodoviária Estadual, siga em frente e no km 88 você encontrará um pequeno núcleo urbano, com churrascaria, borracheiros, oficinas mecânicas e o posto de combustíveis Linha Verde, em cuja lanchonete come-se um excelente e inigualável pastel gigante. Duzentos metros além do posto está o trevo que dá acesso a Massarandupió à direita e à rodovia que leva à sede do município, à esquerda.
Saia à direita voltando em frente a umas casinhas para o sul, mas vire à esquerda logo na primeira esquina, rumo leste, prosseguindo cerca de quatro quilômetros até o povoado.

COMO CHEGAR DE ÔNIBUS

Na Estação Rodoviária de Salvador, ou na Estrada do Coco na pista sul/norte, tome ônibus da empresa Linha Verde, pedindo ao bilheteiro da estação ou ao motorista do ônibus, se o pegar no caminho, para ficar em Massarandupió, Linha Verde, km 88.
O ônibus não o trará até Massarandupió, mas até o entroncamento de acesso no km 88 da Linha Verde, de onde você poderá vir a pé (dureza sob o sol ou carregando bagagem), obter uma carona (melhor, mas às vezes pode ter que esperar muito, pois o tráfego é pequeno), ou ligar antecipadamente para uma das pousadas para marcar hora para o transfer desde a rodovia.

HISTÓRICO DA RESERVA NATURISTA

Em 1997, o aposentado baiano Miguel Vasco Calmon Gama e sua esposa Mary, proprietária de uma pequena agência de viagens especializada em organizar grupos de compras para visitas a São Paulo, Ciudad del Este e Belo Horizonte, assistiram a uma reportagem sobre a praia naturista de Tambaba (Paraíba) na televisão. Miguel interessou-se e sugeriu a montagem de um grupo para uma excursão, para passar um feriadão naquela praia. Colocaram um pequeno anúncio no jornal, mas enganaram-se ao referir-se à praia como de "Naturalismo".
O carioca aposentado pelo Banco do Brasil Antônio Ferro, residente em Lauro de Freitas (município vizinho a Salvador), leu o anúncio. Ele já tinha vivenciado o Naturismo em visita à praia do Pinho em Santa Catarina anos antes e mantinha-se relativamente bem informado sobre o movimento naturista através da revista Naturis. Decidiu imediatamente ligar para o número no anúncio e conversou com Miguel. Apresentou-se, falou de sua experiência naturista e citou o engano na chamada do anúncio. Sentiu a inexperiência de Miguel no assunto e propôs ajudá-lo no projeto da viagem.
Poucos interessados contataram a Mary Tour para reservar lugar no grupo e a viagem teve de ser cancelada. Contudo, estes poucos decidiram unir-se sob a liderança de Miguel para tentar obter uma praia para a prática do Naturismo na Bahia. Miguel e Ferro, aposentados, passaram a visitar diversos municípios litorâneos em busca do lugar ideal. Numa destas idas e vindas, pararam para um cafezinho num brique que existia no km 88 da Linha Verde. A proprietária, dona Maria, escutou a conversa dos dois enquanto lhes servia o café e pediu desculpas para interrompê-los e informar que se procuravam por uma praia para ficar pelados, havia uma parte isolada ao sul da praia regular de Massarandupió, com acesso logo à frente de seu estabelecimento, onde era sabido que alguns casais costumavam despir-se nos finais de semana para desfrutar juntamente com seus filhos e amigos. O pequeno grupo, que vinha de Salvador, fazia churrascos na praia em suas visitas e já tinha chamado a atenção dos pescadores e outros passantes ocasionais por parecerem não se importar em ter exposta sua nudez.
Os dois trataram de tomar o acesso em frente ao brique, junto ao posto de combustíveis Linha Verde, e após quatro quuilômetros passaram pelo povoado de Massarandupió, dali mais três quilômetros (tudo em estrada de chão batido) chegaram à entrada principal da praia.
Depois de saberem que aquela praia pertencia ao município de Entre Rios, rumaram para a sede do município, setenta quilômetros para o interior às margens da BR-101, para procurar o prefeito.
Quinze quilômetros ao sul do acesso a Massarandupió, pela Linha Verde, a construtora Norberto Odebrecht construía um imenso complexo hoteleiro primeiro-mundista. Por apenas quatro quilômetros o local estava fora do município de Entre Rios, pertencendo a Mata de São João. O prefeito de Entre Rios na ocasião era o Sr. Raul Malbouisson Mello, hoje já falecido, que pretendeu não deixar seu município sem algo especial que atraísse os visitantes do futuro complexo Costa do Sauípe, para ajudar a desenvolver a região. Ele também já tinha sido informado da apreensão dos nativos de Massarandupió com o grupo de gente que por lá aparecia para se desnudar na área mais deserta ao sul da praia, tinha lido e assistido muitas reportagens sobre Naturismo e concordava com os princípios deste movimento, com o qual já tinha tido alguns contatos mais próximos em viagens pelo velho continente. Homem público de visão e dotado de grande cultura, o senhor Raul idealizara a criação de uma reserva naturista a cerca de dois quilômetros ao sul da entrada principal da praia de Massarandupió. Sonhou planejar ali uma pequena vila naturista, a exemplo da já famosa Colina do Sol de Taquara, Rio Grande do Sul, mas não conhecia nenhum naturista para tocar a idéia e administrar o projeto.
A visita inesperada de Miguel e Ferro caiu para o prefeito como uma luva. Tratou de desengavetar seus planos e entregou a Miguel o comando do que viria a ser a primeira reserva naturista oficial da Bahia.
O senhor Raul assinou a primeira autorização provisória, que deveria ser renovada a cada dois meses e foi marcada a inauguração oficial para o carnaval de 1998.
A inauguração da reserva foi um sucesso, contando inclusive com reportagem no programa Fantástico, que mostrava ao Brasil que alguns baianos haviam dispensado o uso das famosas mortalhas (como se chamam as túnicas carnavalescas dos blocos de Salvador) para brincar aquele carnaval. A freqüência da praia cresceu rápido e logo havia um grande grupo de adeptos nos finais de semana.
No princípio de Fevereiro daquele ano, antes mesmo da inauguração oficial, um dos casais freqüentadores originais da praia, do grupo que já desfrutava do local muito antes da chegada de Miguel e Ferro, mandou-me um e-mail para anunciar a novidade da oficialização. Alberto e Márcia convidavam-nos, a mim e a minha ex-esposa Lurdes, para vir conhecer a mais nova praia oficial de Naturismo do Brasil. Um mês depois, outro frequentador entusiasmado também visitou meu "site" sobre Naturismo e Pintura Corporal e mandou-me o mesmo convite. Eu e Lurdes decidimos mandar uma carta ao prefeito Raul Mello, falando de nosso interesse em conhecer o local e da possibilidade de irmos viver em Massarandupió. Logo fomos colocados em contato com Miguel, que nos deu todo o apoio para que na Páscoa fôssemos visitar o Paraíso.
Voamos para lá eu, Lurdes e o filho dela, Juniclei. Não deu outra, nos encantamos tanto que a decisão de ir viver lá foi mesmo unânime da família. Miguel nos levou a uma reunião com o prefeito, onde ficamos combinados de ir de mudança em Outubro daquele ano para juntos tocar para a frente o projeto da vila naturista. Seria criada uma urbanização na área atrás das dunas, com infra-estrutura; os lotes comerciais seriam vendidos para a implantação de pousadas, restaurantes e comércio. Eu e Miguel receberíamos um lote cada para gerenciar a implantação da vila; eu e Lurdes sonhamos construir nele uma pousada.
Foi assim que no dia 6 de Outubro de 1998 chegamos de mudança à Bahia e fomos para Massarandupió. Mas logo ficamos sabendo que o projeto da vila estava por um fio para ser engavetado de vez por falta de recursos, mas também e principalmente porque a área é uma ZPR (zona de preservação ambiental rigorosa) dentro da APA (área de preservação ambiental) do Litoral Norte da Bahia. Sendo assim seria absolutamente proibida a construção de prédios habitáveis na proximidade da praia, havendo apenas a possibilidade de construção de barracas de praia, sem alvenaria.
Conseguimos então com o prefeito a concessão para construir e explorar nossa própria barraca, que seria chamada Bat Batidas. Construímos nossa casa no povoado e a barraca na reserva naturista.
O prefeito seguia insistindo com Miguel pela regularização da associação, sem sucesso, o que atrasava o repasse oficial de recursos, forçando-o a seguir utilizando seu próprio capital para ajudar a reserva. Por aquela época, nos meses de Abril e Maio de 1999, comecei a discordar profundamente com algumas atitudes de Miguel na administração da reserva naturista. Procurava-o todas as semanas para discutir tais pontos de vista, mas este saía-se sempre com evasivas e prosseguia cometendo os mesmos erros. Foi então que decidimos, eu e Lurdes, procurar o prefeito para relatar-lhe os acontecimentos. Ele aconselhou-nos a fundar uma nova associação, oficializá-la e registrá-la nas formas da lei para que ele mandasse para a câmara de vereadores o projeto de lei que tornaria a reserva naturista definitiva e a associação de utilidade pública para receber recursos oficiais.
Concordei em realizar tudo isso, mas não aceitei ser o presidente da entidade. Foi-nos aconselhado então chamar a jornalista Noêmia Alves, proprietária de um jornal de Alagoinhas, freqüentadora da reserva, defensora do Naturismo e amiga do prefeito.
Foi assim que em nossa casa no povoado foi fundada a AMANAT - Associação Massarandupiana de Naturismo, tendo como presidente tal jornalista. Logo a entidade foi considerada de utilidade pública e o prefeito fez aprovar o decreto municipal de uso naturista definitivo da praia em 28 de Julho de 1999.

LEI MUNICIPAL DA RESERVA
ESTADO DA BAHIA
SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL
PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS

DECRETO N.º 1.571/99

Concede autorização permanente para a prática
de Naturismo, em local que indica.

            O PREFEITO MUNICIPAL DE ENTRE RIOS, Estado da Bahia, no uso de suas atribuições legais, de conformidade com o que estabelece o artigo 48, inciso I, alínea j, combinado com o artigo 102, inciso VIII, da Lei Orgânica deste Município e,

Considerando que o Naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, com o objetivo de favorecer o auto-respeito, o respeito mútuo e a preservação do meio ambiente;

Considerando o que faculta o decreto 7.661, de 16 de Maio de 1998 - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, parágrafo 10;

Considerando que o Município tem condições de ser um pólo turístico nacional e internacional, pela beleza de suas praias e litoral;

Considerando que esta Prefeitura Municipal entende ser o Naturismo uma atividade benéfica à saúde mental, capaz, inclusive de favorecer iniciativa privada, incrementando o turismo e o comércio;

Considerando, ainda, que é dever constitucional incentivar e apoiar as entidades ambientalistas não governamentais constituídas na forma da lei;

DECRETA:

Art. 1º - Fica autorizada a Associação Massarandupiana de Naturismo - AMANAT, declarada de Utilidade Pública pela Lei Municipal n.º 298/99, de 05 de Julho de 1999, a desenvolver a prática de Naturismo em caráter permanente, na praia de Massarandupió, neste Município.

Parágrafo Único - Para a prática do Naturismo de que trata este artigo, fica estabelecida uma área litorânea de 2.000m (dois mil metros) de extensão, a partir da marca de 1.800m (hum mil e oitocentos metros), contados do local onde estão instaladas seis barracas de praia, seguindo a direção sul.

Art. 2º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogam-se as disposições em contrário.

Gabinete do Prefeito Municipal de Entre Rios, 28 de Julho de 1999

(assinatura)
Raul Malbouisson Mello
Prefeito Municipal

CÓDIGO DE ÉTICA NATURISTA DA PRAIA DE MASSARANDUPIÓ
AMANAT - ASSOCIAÇÃO MASSARANDUPIANA DE NATURISMO
MUNICÍPIO DE ENTRE RIOS - BAHIA

Naturismo é um estilo de vida em harmonia com a natureza, que abomina toda e qualquer forma de preconceito, caracterizado pela naturalidade e respeito plenos. O Naturismo adota a prática da nudez social e familiar, com o intuito de incentivar o auto-respeito, o respeito mútuo entre os indivíduos e com o meio ambiente.

Nós naturistas freqüentadores da praia de Massarandupió, consideramos expressamente proibido:

1. Praticar atos de caráter sexual ou obsceno nas áreas públicas, por ser a praia de convívio estritamente familiar;
2. Agir de maneira desrespeitosa ou agressiva com quem quer que seja e em qualquer situação;
3. Constranger através de situação ativa ou passiva, por gestos ou palavras, quaisquer outras pessoas na área de abrangência naturista;
4. Filmar, gravar ou fotografar por qualquer método ou distância os naturistas na área, sem seus consentimentos prévios;
5. Praticar jogos ou outras atividades que possam colocar em risco a segurança, tranqüilidade ou conforto dos freqüentadores, em áreas não demarcadas para estes fins;
6. Satisfazer necessidades fisiológicas de qualquer espécie nas áreas públicas;
7. Deixar lixo de qualquer natureza fora de receptáculos apropriados, em toda a área naturista;
8. Trazer ou permitir a entrada de animais na área naturista;
9. Retirar mudas de plantas, danificar as existentes ou causar qualquer dano ao meio ambiente na área naturista;
10. Não aderir à prática da nudez social, a menos que seja pessoa empregada da Associação ou do comércio interno (quando a serviço), funcionário de empresa jornalística participando de cobertura aprovada pela Associação, menor de quinze anos de idade acompanhado pelos pais ou responsáveis, ou ainda alguma autoridade em visita oficial;
11. Vender, portar ou fazer uso de qualquer substância que seja considerada ilegal em nosso país.

Qualquer pessoa, naturista ou não, que descumprir as normas acima expressas será passível de punição prevista no ESTATUTO SOCIAL ou no REGIMENTO INTERNO desta Entidade, além de ser imediatamente convidada a retirar-se da área naturista, se necessário com o auxílio do Poder Público.

MASSARANDUPIÓ - LITORAL NORTE BAIANO - O PARAÍSO


Quando algum cineasta de Hollywood realizar um novo filme sobre o Paraíso, com certeza poderá escolher Massarandupió como locação. Basta subir uma das altas dunas brancas da segunda linha que fecham o local pelo oeste para descortinar um dos mais lindos cenários de marinha do planeta.

Durante o período do Império, o nobre português Garcia D'Ávila recebeu como concessão toda a faixa litorânea ao norte de Salvador, de Itapuã a Mangue Seco na divisa com o estado de Sergipe, para colonizar e desenvolver. A região, hoje denominada Área de Preservação Ambiental (APA) do Litoral Norte, dotada de rara beleza natural, fora habitada por índios de uma então já quase extinta tribo conhecida por Massarandupiós. Segundo registros encontrados no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, os Massarandupiós teriam tido sua principal taba na região onde hoje está o atual povoado de Massarandupió.

Mas não é o que contam os mais antigos moradores do povoado, como Seu Cristóvão. Segundo estes, o local teria sido denominado em virtude de ali ter havido alguns pés de maçaranduba (do tupi masarã'duwa), árvore que produz um pequeno fruto bacáceo amarelo. Em algum tempo remoto, meninos que chupavam as bagas das árvores dali teriam considerado-as piores que as de algum outro local, passando a referir-se como ao lugar da maçaranduba pior, ou por corruptela aglutinada "Massarandupió".

Talvez mesmo as duas versões venham a ser a mesma, se pensarmos que a tribo possa ter sido denominada da forma narrada acima, mas isto realmente não vai nos importar muito agora, pois nosso objetivo é compartilhar com você o que poderíamos chamar de "Massarandumió" (no palavreado nativo “mió” significa melhor e “pió” significa pior).

LOCALIZAÇÃO E ASPECTO

Massarandupió é um pequeno povoado pertencente ao Município de Entre Rios, na Bahia. Possui uma faixa litorânea de cerca de oito quilômetros de extensão total de rara e quase intocada beleza, estando no coração da ZPR (Zona de Proteção Ambiental Rigorosa) da APA (Área de Preservação Ambiental) do Litoral Norte da Bahia. O povoado em si está concentrado a cerca de quatro quilômetros de distância da rodovia Linha Verde por uma estrada de chão batido que o corta em direção à praia, outros três quilômetros mais adiante.
Existem algumas pousadas e restaurantes no povoado, além de um certo número de botecos (pequenos bares) e mercadinhos. Uma das pousadas, mais elaborada, é a Carmo, do seu Rivaldo, com vinte e dois apartamentos, excelente piscina e ótimo café da manhã. A outra, mais simples, Santo Antônio, do folclórico seu Emídio, com cerca de dez quartos e apartamentos, fornece excelente café da manhã e também abriga um dos restaurantes do povoado, o de dona Rosa. A pousada Portal da Vila possui bons apartamentos e café da manhã, e a pousada Nelissa dispõe de oito pequenos apartamentos sem café da manhã. Há também a Pousada Naturista Quinta das Flores, onde toda a nudez é permitida. O melhor restaurante é o Espaço Verde, das irmãs Therezinha e Amaíse, com ambiente muito agradável e comida excelente.
Na entrada principal da praia há algumas barracas com serviços de bar e restaurante, entre pequenas e grandes como a de Bideco, que também possui um bom barzinho no povoado (Bardeco). Estas barracas são especializadas em caranguejos e cerveja gelada. Depois, na direção sul, a meio caminho para a praia naturista há outra boa barraca, a do Patrício, que funciona diariamente o ano inteiro.
A praia de Massarandupió é quase retilínea, de areia fofa e clara, mar calmo cujas tonalidades entre o verde e o azul são belíssimas, apresentando pequenas faixas de rochas na linha de preamar em alguns pontos. Toda a extensão da praia é emoldurada por uma alta fileira de dunas cobertas por vegetação rasteira e imponentes coqueiros. Por trás destas dunas há um vale de cerca de trezentos metros de largura até uma segunda linha de dunas ainda mais altas de areias muito brancas que limitam a vegetação mais densa de mata atlântica por trás destas. O vale entre as dunas do mar e da mata é cortado por um riacho de águas ferruginosas muito quentes à tarde, totalmente livres de qualquer poluição e que forma piscinas naturais em alguns pontos.

Ao norte da entrada principal da praia, o vale ainda apresenta um manguezal intacto de cerca de dois quilômetros de extensão até a foz do riacho, que fecha Massarandupió pelo norte fazendo limites com Subaúma. Para o sul da entrada principal pela praia, depois de cerca de mil e quinhentos metros, encontra-se alguns blocos de lajes rochosas na linha de preamar que tornam a natação neste local não recomendável, mas o visual bonito e a pesca satisfatória. trezentos metros mais ao sul está o balizamento da entrada oficial da reserva naturista, com uma faixa de adaptação à nudez de duzentos metros, onde homens devem despir-se totalmente e mulheres podem permanecer em "top-less". A partir daí para o sul são mil e oitocentos metros de nudez, liberdade, fraternidade, alegria, descontração, respeito e paz.
Dentro da área naturista, há barracas com serviços de bar e restaurante, que servem petiscos inigualáveis e cerveja ou refrigerantes muito gelados.
Mas é preciso salientar que a nudez só é liberada (e até obrigatória) dentro da reserva naturista. Sob hipótese alguma é tolerada a nudez nos arredores, ou no povoado. Exceto na pousada naturista.
As mulheres nativas de Massarandupió realizam excelente trabalho de artesanato em palha colorida de piaçava, confeccionando bolsas, esteiras, chapéus, sous plats, ventarolas e outros objetos que vendem a preços pra lá de convidativos, expostos nas varandas de suas próprias casas.

COMO CHEGAR DE CARRO

Deixando Salvador para o norte passa-se pelo aeroporto internacional Dep. Luís Eduardo Magalhães onde começa a Estrada do Coco, privatizada pela CLN. Esta estrada é praticamente retilínea e pedagiada, segue por cinquenta e seis quilômetros até o acesso da famosa Praia do Forte, onde termina. Logo neste acesso prossegue outra moderna rodovia também semi retilínea rumo norte, chamada Linha Verde, com quilometragem contínua com a Estrada do Coco. Logo você vai passar o mirante, de onde se descortina lindíssima vista da costa tomando uma água de coco bem geladinha dos quiosques locais. Um pouco adiante está o acesso ao pitoresco balneário de Imbassaí, depois o acesso ao paradisíaco povoado e praia do Diogo, mais adiante a imponente entrada do complexo turístico/hoteleiro Costa do Sauípe e na travessia do rio Sauípe entra-se no município de Entre Rios. Logo após passa-se pelo acesso ao povoado de Porto de Sauípe, a seguir está um posto da Polícia Rodoviária Estadual, siga em frente e no km 88 você encontrará um pequeno núcleo urbano, com churrascaria, borracheiros, oficinas mecânicas e o posto de combustíveis Linha Verde, em cuja lanchonete come-se um excelente e inigualável pastel gigante. Duzentos metros além do posto está o trevo que dá acesso a Massarandupió à direita e à rodovia que leva à sede do município, à esquerda.
Saia à direita voltando em frente a umas casinhas para o sul, mas vire à esquerda logo na primeira esquina, rumo leste, prosseguindo cerca de quatro quilômetros até o povoado.
mapageral

COMO CHEGAR DE ÔNIBUS

Na Estação Rodoviária de Salvador, ou na Estrada do Coco na pista sul/norte, tome ônibus da empresa Linha Verde, pedindo ao bilheteiro da estação ou ao motorista do ônibus, se o pegar no caminho, para ficar em Massarandupió, Linha Verde, km 88.
O ônibus não o trará até Massarandupió, mas até o entroncamento de acesso no km 88 da Linha Verde, de onde você poderá vir a pé (dureza sob o sol ou carregando bagagem), obter uma carona (melhor, mas às vezes pode ter que esperar muito, pois o tráfego é pequeno), ou ligar antecipadamente para uma das pousadas para marcar hora para o transfer desde a rodovia.

HISTÓRICO DA RESERVA NATURISTA

Em 1997, o aposentado baiano Miguel Vasco Calmon Gama e sua esposa Mary, proprietária de uma pequena agência de viagens especializada em organizar grupos de compras para visitas a São Paulo, Ciudad del Este e Belo Horizonte, assistiram a uma reportagem sobre a praia naturista de Tambaba (Paraíba) na televisão. Miguel interessou-se e sugeriu a montagem de um grupo para uma excursão, para passar um feriadão naquela praia. Colocaram um pequeno anúncio no jornal, mas enganaram-se ao referir-se à praia como de "Naturalismo".
O carioca aposentado pelo Banco do Brasil Antônio Ferro, residente em Lauro de Freitas (município vizinho a Salvador), leu o anúncio. Ele já tinha vivenciado o Naturismo em visita à praia do Pinho em Santa Catarina anos antes e mantinha-se relativamente bem informado sobre o movimento naturista através da revista Naturis. Decidiu imediatamente ligar para o número no anúncio e conversou com Miguel. Apresentou-se, falou de sua experiência naturista e citou o engano na chamada do anúncio. Sentiu a inexperiência de Miguel no assunto e propôs ajudá-lo no projeto da viagem.
Poucos interessados contataram a Mary Tour para reservar lugar no grupo e a viagem teve de ser cancelada. Contudo, estes poucos decidiram unir-se sob a liderança de Miguel para tentar obter uma praia para a prática do Naturismo na Bahia. Miguel e Ferro, aposentados, passaram a visitar diversos municípios litorâneos em busca do lugar ideal. Numa destas idas e vindas, pararam para um cafezinho num brique que existia no km 88 da Linha Verde. A proprietária, dona Maria, escutou a conversa dos dois enquanto lhes servia o café e pediu desculpas para interrompê-los e informar que se procuravam por uma praia para ficar pelados, havia uma parte isolada ao sul da praia regular de Massarandupió, com acesso logo à frente de seu estabelecimento, onde era sabido que alguns casais costumavam despir-se nos finais de semana para desfrutar juntamente com seus filhos e amigos. O pequeno grupo, que vinha de Salvador, fazia churrascos na praia em suas visitas e já tinha chamado a atenção dos pescadores e outros passantes ocasionais por parecerem não se importar em ter exposta sua nudez.
Os dois trataram de tomar o acesso em frente ao brique, junto ao posto de combustíveis Linha Verde, e após quatro quuilômetros passaram pelo povoado de Massarandupió, dali mais três quilômetros (tudo em estrada de chão batido) chegaram à entrada principal da praia.
Depois de saberem que aquela praia pertencia ao município de Entre Rios, rumaram para a sede do município, setenta quilômetros para o interior às margens da BR-101, para procurar o prefeito.
Quinze quilômetros ao sul do acesso a Massarandupió, pela Linha Verde, a construtora Norberto Odebrecht construía um imenso complexo hoteleiro primeiro-mundista. Por apenas quatro quilômetros o local estava fora do município de Entre Rios, pertencendo a Mata de São João. O prefeito de Entre Rios na ocasião era o Sr. Raul Malbouisson Mello, hoje já falecido, que pretendeu não deixar seu município sem algo especial que atraísse os visitantes do futuro complexo Costa do Sauípe, para ajudar a desenvolver a região. Ele também já tinha sido informado da apreensão dos nativos de Massarandupió com o grupo de gente que por lá aparecia para se desnudar na área mais deserta ao sul da praia, tinha lido e assistido muitas reportagens sobre Naturismo e concordava com os princípios deste movimento, com o qual já tinha tido alguns contatos mais próximos em viagens pelo velho continente. Homem público de visão e dotado de grande cultura, o senhor Raul idealizara a criação de uma reserva naturista a cerca de dois quilômetros ao sul da entrada principal da praia de Massarandupió. Sonhou planejar ali uma pequena vila naturista, a exemplo da já famosa Colina do Sol de Taquara, Rio Grande do Sul, mas não conhecia nenhum naturista para tocar a idéia e administrar o projeto.
A visita inesperada de Miguel e Ferro caiu para o prefeito como uma luva. Tratou de desengavetar seus planos e entregou a Miguel o comando do que viria a ser a primeira reserva naturista oficial da Bahia.
O senhor Raul assinou a primeira autorização provisória, que deveria ser renovada a cada dois meses e foi marcada a inauguração oficial para o carnaval de 1998.
A inauguração da reserva foi um sucesso, contando inclusive com reportagem no programa Fantástico, que mostrava ao Brasil que alguns baianos haviam dispensado o uso das famosas mortalhas (como se chamam as túnicas carnavalescas dos blocos de Salvador) para brincar aquele carnaval. A freqüência da praia cresceu rápido e logo havia um grande grupo de adeptos nos finais de semana.
No princípio de Fevereiro daquele ano, antes mesmo da inauguração oficial, um dos casais freqüentadores originais da praia, do grupo que já desfrutava do local muito antes da chegada de Miguel e Ferro, mandou-me um e-mail para anunciar a novidade da oficialização. Alberto e Márcia convidavam-nos, a mim e a minha ex-esposa Lurdes, para vir conhecer a mais nova praia oficial de Naturismo do Brasil. Um mês depois, outro frequentador entusiasmado também visitou meu "site" sobre Naturismo e Pintura Corporal e mandou-me o mesmo convite. Eu e Lurdes decidimos mandar uma carta ao prefeito Raul Mello, falando de nosso interesse em conhecer o local e da possibilidade de irmos viver em Massarandupió. Logo fomos colocados em contato com Miguel, que nos deu todo o apoio para que na Páscoa fôssemos visitar o Paraíso.
Voamos para lá eu, Lurdes e o filho dela, Juniclei. Não deu outra, nos encantamos tanto que a decisão de ir viver lá foi mesmo unânime da família. Miguel nos levou a uma reunião com o prefeito, onde ficamos combinados de ir de mudança em Outubro daquele ano para juntos tocar para a frente o projeto da vila naturista. Seria criada uma urbanização na área atrás das dunas, com infra-estrutura; os lotes comerciais seriam vendidos para a implantação de pousadas, restaurantes e comércio. Eu e Miguel receberíamos um lote cada para gerenciar a implantação da vila; eu e Lurdes sonhamos construir nele uma pousada.
Foi assim que no dia 6 de Outubro de 1998 chegamos de mudança à Bahia e fomos para Massarandupió. Mas logo ficamos sabendo que o projeto da vila estava por um fio para ser engavetado de vez por falta de recursos, mas também e principalmente porque a área é uma ZPR (zona de preservação ambiental rigorosa) dentro da APA (área de preservação ambiental) do Litoral Norte da Bahia. Sendo assim seria absolutamente proibida a construção de prédios habitáveis na proximidade da praia, havendo apenas a possibilidade de construção de barracas de praia, sem alvenaria.
Conseguimos então com o prefeito a concessão para construir e explorar nossa própria barraca, que seria chamada Bat Batidas. Construímos nossa casa no povoado e a barraca na reserva naturista.
O prefeito seguia insistindo com Miguel pela regularização da associação, sem sucesso, o que atrasava o repasse oficial de recursos, forçando-o a seguir utilizando seu próprio capital para ajudar a reserva. Por aquela época, nos meses de Abril e Maio de 1999, comecei a discordar profundamente com algumas atitudes de Miguel na administração da reserva naturista. Procurava-o todas as semanas para discutir tais pontos de vista, mas este saía-se sempre com evasivas e prosseguia cometendo os mesmos erros. Foi então que decidimos, eu e Lurdes, procurar o prefeito para relatar-lhe os acontecimentos. Ele aconselhou-nos a fundar uma nova associação, oficializá-la e registrá-la nas formas da lei para que ele mandasse para a câmara de vereadores o projeto de lei que tornaria a reserva naturista definitiva e a associação de utilidade pública para receber recursos oficiais.
Concordei em realizar tudo isso, mas não aceitei ser o presidente da entidade. Foi-nos aconselhado então chamar a jornalista Noêmia Alves, proprietária de um jornal de Alagoinhas, freqüentadora da reserva, defensora do Naturismo e amiga do prefeito.
Foi assim que em nossa casa no povoado foi fundada a AMANAT - Associação Massarandupiana de Naturismo, tendo como presidente tal jornalista. Logo a entidade foi considerada de utilidade pública e o prefeito fez aprovar o decreto municipal de uso naturista definitivo da praia em 28 de Julho de 1999.

LEI MUNICIPAL DA RESERVA
ESTADO DA BAHIA
SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL
PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS

DECRETO N.º 1.571/99

Concede autorização permanente para a prática
de Naturismo, em local que indica.

            O PREFEITO MUNICIPAL DE ENTRE RIOS, Estado da Bahia, no uso de suas atribuições legais, de conformidade com o que estabelece o artigo 48, inciso I, alínea j, combinado com o artigo 102, inciso VIII, da Lei Orgânica deste Município e,

Considerando que o Naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, com o objetivo de favorecer o auto-respeito, o respeito mútuo e a preservação do meio ambiente;

Considerando o que faculta o decreto 7.661, de 16 de Maio de 1998 - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, parágrafo 10;

Considerando que o Município tem condições de ser um pólo turístico nacional e internacional, pela beleza de suas praias e litoral;

Considerando que esta Prefeitura Municipal entende ser o Naturismo uma atividade benéfica à saúde mental, capaz, inclusive de favorecer iniciativa privada, incrementando o turismo e o comércio;

Considerando, ainda, que é dever constitucional incentivar e apoiar as entidades ambientalistas não governamentais constituídas na forma da lei;

DECRETA:

Art. 1º - Fica autorizada a Associação Massarandupiana de Naturismo - AMANAT, declarada de Utilidade Pública pela Lei Municipal n.º 298/99, de 05 de Julho de 1999, a desenvolver a prática de Naturismo em caráter permanente, na praia de Massarandupió, neste Município.

Parágrafo Único - Para a prática do Naturismo de que trata este artigo, fica estabelecida uma área litorânea de 2.000m (dois mil metros) de extensão, a partir da marca de 1.800m (hum mil e oitocentos metros), contados do local onde estão instaladas seis barracas de praia, seguindo a direção sul.

Art. 2º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogam-se as disposições em contrário.

Gabinete do Prefeito Municipal de Entre Rios, 28 de Julho de 1999

(assinatura)
Raul Malbouisson Mello
Prefeito Municipal

CÓDIGO DE ÉTICA NATURISTA DA PRAIA DE MASSARANDUPIÓ
AMANAT - ASSOCIAÇÃO MASSARANDUPIANA DE NATURISMO
MUNICÍPIO DE ENTRE RIOS - BAHIA

Naturismo é um estilo de vida em harmonia com a natureza, que abomina toda e qualquer forma de preconceito, caracterizado pela naturalidade e respeito plenos. O Naturismo adota a prática da nudez social e familiar, com o intuito de incentivar o auto-respeito, o respeito mútuo entre os indivíduos e com o meio ambiente.

Nós naturistas freqüentadores da praia de Massarandupió, consideramos expressamente proibido:

1. Praticar atos de caráter sexual ou obsceno nas áreas públicas, por ser a praia de convívio estritamente familiar;
2. Agir de maneira desrespeitosa ou agressiva com quem quer que seja e em qualquer situação;
3. Constranger através de situação ativa ou passiva, por gestos ou palavras, quaisquer outras pessoas na área de abrangência naturista;
4. Filmar, gravar ou fotografar por qualquer método ou distância os naturistas na área, sem seus consentimentos prévios;
5. Praticar jogos ou outras atividades que possam colocar em risco a segurança, tranqüilidade ou conforto dos freqüentadores, em áreas não demarcadas para estes fins;
6. Satisfazer necessidades fisiológicas de qualquer espécie nas áreas públicas;
7. Deixar lixo de qualquer natureza fora de receptáculos apropriados, em toda a área naturista;
8. Trazer ou permitir a entrada de animais na área naturista;
9. Retirar mudas de plantas, danificar as existentes ou causar qualquer dano ao meio ambiente na área naturista;
10. Não aderir à prática da nudez social, a menos que seja pessoa empregada da Associação ou do comércio interno (quando a serviço), funcionário de empresa jornalística participando de cobertura aprovada pela Associação, menor de quinze anos de idade acompanhado pelos pais ou responsáveis, ou ainda alguma autoridade em visita oficial;
11. Vender, portar ou fazer uso de qualquer substância que seja considerada ilegal em nosso país.

Qualquer pessoa, naturista ou não, que descumprir as normas acima expressas será passível de punição prevista no ESTATUTO SOCIAL ou no REGIMENTO INTERNO desta Entidade, além de ser imediatamente convidada a retirar-se da área naturista, se necessário com o auxílio do Poder Público.