ESCREVI ESTA CRÔNICA NO INÍCIO DE 2010,
MAS ELA É SEMPRE ATUAL.
EM 2019, COM TODO ESTE MAR DE CORRUPÇÃO, VIOLÊNCIA E LAMA, O TEMA PERMANECE BEM VIVO.
ESPERO QUE VOCÊ TAMBÉM ESTEJA MUITO INDIGNADO...
A palavra soa estranha, pois indigno significa: aquele que não tem dignidade.
Mas indignar-se quer dizer exatamente o contrário; ou seja, ter tanta
dignidade a ponto de ficar profundamente aborrecido com a indignidade
alheia.
Indignar-se significa importar-se. Seria tão bom se as
pessoas se importassem mais com as coisas que estão ao seu redor. Parece
que o importar-se confundiu-se com a futilidade. As pessoas se importam
se você estiver sem roupas, se importam se você for pobre, se importam
se você não professar a mesma religião que elas, se importam se você não
tiver a mesma cor de pele que elas, se importam se suas preferências
sexuais forem diferentes das delas, se importam se seu carro for mais
novo e possante do que os delas, se importam se sua roupa for mais
bonita do que a delas, se importam se você tiver mais coragem do que
elas para ser quem você é. E aí se importam muito.
Mas isso me deixa indignado. Assim como tantas coisas que
sei que não posso fazer muito para mudar, mas também sei que minha
parte, muito importante assim como a sua, é não igualar-me pelo descaso,
a preguiça, o medo ou a comodidade.
Não posso acabar com a miséria no mundo, nem com a causa
dela, a opressão da ganância dos poderosos; mas posso confessar-me
indignado com ela, e não tornar-me conivente com tal sistema.
Não posso tornar minha cidade mais limpa, talvez nem
convencer toda a população a não sujá-la, na verdade não vou nem sair
por aí recolhendo lixo; mas nunca vou atirar meu lixo fora do local
apropriado, e vou chamar a atenção de meus amigos para isso e continuar
indignado pela sujeira das ruas, parques e praças públicas.
Não posso convencer o mundo a aceitar minha nudez, ou as
razões que me fazem sentir melhor vivendo assim; mas posso aceitar a
nudez de todos que assim preferirem estar, e indignar-me pelo
preconceito dos pobres de espírito que insistirem em distorcer meu
ideal.
Não posso acabar com a violência no mundo, até porque suas
causas estão fortemente radicadas aos dois extremos da pirâmide social;
mas posso indignar-me e entristecer com as notícias tão alarmantes e
muitas vezes horrorosas, assim como não praticar a violência, estimular
meus amigos a fazer o mesmo e escolher melhor meus eleitos para que
estes tomem atitudes positivas.
Não posso criar uma consciência civil e ecológica na
humanidade, se Deus a fez assim há de haver uma razão; mas posso
indignar-me pelo descaso e fazer a minha parte. E a parte de cada um é
pura e simplesmente agir de acordo com sua consciência, sendo apenas
natural.
Há quem defenda a idéia de que o princípio do Naturismo, de
respeito do indivíduo ao seu próprio corpo, seja confundido com o
princípio do Naturalismo; ou seja, respeitar seu corpo é não usar nele
nada que lhe possa prejudicar, no vestuário, como na alimentação.
Maravilha, parabéns àqueles que forem plenamente felizes e realizados
seguindo tais preceitos; muita saúde e vida longa! Mas, não serão também
naturistas aqueles que descobrirem que o prazer não é um pecado, mas um
dom, apesar de ter seu custo? Não serão também naturistas aqueles que
apenas agirem com naturalidade, seguindo seus impulsos apoiados no
corrimão da consciência civil e ecológica?
Fique indignado com aqueles que preferem falar mal das
atitudes espontâneas, livres e não corruptoras dos outros, por medo de
apenas ser o que gostariam de ser. E mesmo o meio naturista anda tão
cheio disso, e é tão triste, dá um dó dessas pessoas débeis, incapazes
de serem felizes. Revolte-se, sua revolução não implica em pegar em
armas, nem mesmo lutar; basta não cair neste lugar comum.
Não precisamos viver nus para sermos naturistas, ninguém
precisa, basta não ter motivos para se envergonhar não só de seu corpo,
mas também e principalmente de sua alma, sua personalidade. Não
precisamos todos ser iguais para nos aceitarmos; as diferenças é que vão
acrescentar, assim poderemos debater, discutir, crescer e amar.
É por isso que amo a todos vocês. É, você também. Não pense
que eu possa ter algum motivo para não amá-lo, pense apenas na montanha
de motivos que eu tenho para amá-lo. Mas fique indignado com quem pensar
o contrário, apesar de amá-lo e respeitá-lo como semelhante seu, com
tantos medos quanto você, talvez mais, talvez menos.
E não se esqueça de se olhar nos olhos no espelho todas as
manhãs, nu na intimidade de seu banheiro; sua conduta naturista deve
começar por aí, não tendo vergonha de si mesmo, ainda que esteja
indignado. Com toda a dignidade.
Naturalmente indignado.
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